Adoro Lisboa, adoro os bairros de Lisboa, não querendo entrar em despique, mas se o quisesse fazer, seria o Bairro de Campo d´Ourique o primeiro a enaltecer.
Alfredo Marceneiro
UM FADO "A MARCENEIRO"
À solta e desvairada a morte certo dia
Entrou no velho pátio e ali quase em segredo,
Num golpe traiçoeiro de raiva e cobardia,
Maldosa nos levou p'ra sempre o Ti Alfredo
Ao chorar das guitarras como se fosse um hino
Juntou-se a voz do povo de Portugal inteiro
Tinha morrido o rei fadista genuíno
O mais de todos nós o grande Marceneiro
Sua garganta rouca tinha o condão cubano
De nos dar fado a sério sem ais, sem fantasias
Se o fado para ser fado algum segredo tem
Então esse segredo só ele o conhecia
Sempre que a noite chega eu julgo ainda vê-lo
Fazendo a sua ronda p'los retiros de fado
De boné ou mostrando o seu farto cabelo
E o seu lenço varino ao pescoço ajustado
Recordo as suas birras e em grande cavaqueira
Seus ditos graciosos se bem disposto estava
E oiço até o seu riso no Cacau da Ribeira
Onde já madrugada sua ronda findava
De Alfredo Marceneiro eu guardo um disco antigo
E um retrato dos dois sobre um fundo bairrista
Um fado ao desafio que ele cantou comigo
E uma eterna saudade desse enorme Fadista
Poema de: Fernando Farinha
Nota: Para além desta, não mereceu mais nenhuma notícia a efeméride, nem uma palavra daqueles que passam a vida a contar histórias e que dizem terem tantas lembranças dele, e osinspirados e seguidores?, mas uma coisa é certa "MARCENEIRO É PARTE INTEGRANTE DA GRANDE HISTÓRIA DO FADO, È TAL O SEU LEGADO QUE A SUA LEMBRANÇA NÃO SERÁ TEMPORAL, MAS PARA TODO O SEMPRE, ENQUANTO HOUVER FADO EM PORTUGAL".
Enquanto este neto tiver um sopro de vida não deixará de relembrá-lo para que as gerações actuais saibam quem ele foi, para as gerações futuras também já dei o meu testemunho escrevendo dois livros biográficos.
Dirão alguns, como já aconteceu quando escrevi o 1º Livro da sua biografia, "Recordar Alfredo Marceneiro", que não faço nada de mais, é neto, tem a papinha feita, pois para espanto desses e de outros mais, é que felizmente não sou analfabeto, e tenho muito orgulho nas minhas origens
Obrigado Avô, Pai e Avó Maria por tudo o que me deram, para bem ou mal puder escrever sobre vós e sobre o Fado.
Para recordar... Letra de José Luis Gordo e música de Arménio de Melo
Comemora-se este ano os 120 anos do nascimento de Alfredo Marceneiro - 1891 - 1982
e 29 anos que faleceu
ALFREDO MARCENEIRO
“PATRIARCA DO FADO”
Raro será o português que se não tenha interrogado acerca do fascínio que o Fado exerce sobre si. Verifica-se que o mesmo acontece com os muitos estrangeiros de diversas partes do mundo, com culturas, etnias e credos diferentes dos nossos, que ao assistirem a essa entrega sublime do cantador que nos transmite para além da sonoridade da voz, da expressão facial, do gesticular do corpo, uma melopeia acompanhada por uma parelha de músicos “guitarras e violas”, que nos provoca nostalgia, amor, ódio, ciúme, alegria, que provoca o ritmo acelerado do coração, enquanto na alma desabrocham sentimentos, que extravasam as barreiras linguísticas, e as almas irmanam-se.
O Fado está cheio de símbolos. Os símbolos são gerados pelo povo, sejam políticos ou militares, sejam sábios ou médicos, sejam músicos ou cantores. É o povo o grande juiz: eleva os ídolos quando lhe agradam, os venera quando tal merecem; Mas também é o mesmo povo que os ignora quando são falsos.
No universo da expressão musical, o Fado é um mundo dentro de outro mundo, é um universo de cantigas onde cabem, a dor, a saudade, o entusiasmo, a fé, a esperança... O Fado é uma “seita” com os seus ritos, os seus segredos…
Será talvez uma afirmação sacrílega esta de vos dar como título a este livro:
Alfredo Marceneiro – Patriarca do Fado.
Na “Catedral do Fado” há um sentir que nos leva muitas vezes à lágrima, tal qual “água benta”, como a que tocamos, na saudação de respeito, que nos motiva ao cruzar os umbrais de uma outra qualquer "Catedral"; também no Fado, há um ritual, um estado de alma... que veneramos e respeitamos.
Se alguém entendeu todo este ritual foi decerto Alfredo Duarte, o Marceneiro, por ofício.
Se os prosélitos do Fado entenderem perpetuar a sua bandeira - O Fado genuíno - , que seja relembrando a sua obra, a sua dádiva ao Fado. Alfredo Marceneiro nunca seapelidou, nem deixou que o apelidassem, Rei do Fado, mas foi, sem sombra de dúvidas, o seu mais louvado príncipe, tão igual ao Povo que com ele se confundiu amavelmente.
Alfredo tu foste/és o “ Patriarca do Fado
Amália com esta frase lapidar, demonstrou a sua veneração por ele:
Alfredo... tu és o Fado
Estávamos no tempo do cinema mudo e os primeiros empresários que contrataram Alfredo Marceneiro foram Artur Emauz e Vicente Alcântara, para o Chiado Terrasse, no propósito de este cantar nos intervalos das exibições cinematográficas, pois o público andava arredado dos espectáculos da 7ª. Arte.
Alfredo Marceneiro e Júlio Proença estavam no auge das suas carreiras, razão pela qual o público começou a acorrer em maior número ao cinema.
Assim, além de assistir ao filme, também ouviam cantar o Fado.
Estes contratos no Chiado Terrasse tiveram um duplo benefício: o aumento das receitas do cinema e a possibilidade de um contacto mais próximo do grande público com os fadistas, que tinham fama de indivíduos de mau porte, o que permitiu a desmistificação dessa ideia de raízes tão perdidas no tempo.
Na sequência destas suas actuações no Chiado Terrasse, Alfredo Marceneiro, que já tinha criado o hábito de se cantar o fado à média luz, tem um dos seus repentes de criatividade e levanta-se para cantar o Fado.
Até esta altura todos os fadistas cantavam sentados e os espectadores mais distantes tinham a tendência de se levantarem, a fim de poderem ver quem estava a actuar. Isto provocava um certo burburinho, que prejudicava as actuações e, com esta atitude de Alfredo Marceneiro, o Fado ganhou outro respeito. A partir desse dia os tocadores e os fadistas passaram a ter um lugar de destaque nas salas onde actuavam e o Fado começou a ser cantado com o fadista de pé.
Foto de Alfredo Marceneiro a cantar no CAFÉ LUSO
© Vítor Duarte Marceneiro in “Recordar Alfredo Marceneiro”
A minha filha Beatriz que tem oito anos de idade, disse-me há dias:
— Sabes pai, eu gosto dos Fados dos avôs, e dos que tu cantas, mas não leves a mal, o Fado que eu gosto mais é o dos "Búzios".
Retorqui:
Não levo nada a mal, tens liberdade para gostar do que queres, como sabes, eu também gosto muito desse Fado, olha... queres fazer um filme e cantares?
— Cantar, eu não sei, mas posso fingir a representar, pode ser?
Mãos à obra, desafiei o Alfredo, que logo alinhou para "tocar" guitarra, o maior problema foi quando disse à Beatriz que ia "tocar" viola, foi preciso explicar-lhe em pormenor, como era possível ela estar na imagem em duplicado.
Aqui está o Video-Clip, espero que gostem, é também uma homenagem ao autor e à interprete.
Entretanto, os seus irmãos casam e organizam as suas vidas. Alfredo leva consigo sua mãe Gertrudes e aluga uma casa num típico pátio sito no Nº 49 da Rua da Páscoa, em Campo de Ourique — Freguesia de Santa Isabel —, casa onde viveu até ao último sopro da sua vida.
Por altura dos seus 22 anos, duma paixão pela jovem Aurora, filha de um mestre de ofício de marceneiro, nasce o seu primeiro filho. Em memória de seu saudoso pai, dá ao primogénito o nome de Rodrigo. Nunca cantou o Fado. Abriu na Calçada de Carriche um retiro com o nome de "Solar do Marceneiro", a sua profissão era mecânico de motos e bicicletas, tendo uma oficina sua em Campolide onde é hoje o restaurante Número Um.
De outra paixão, pouco duradoura, é novamente pai de um rapaz a quem dão o nome de Esmeraldo. Tinha a profissão de tipógrafo e chegou a cantar como amador em festas particulares.
Os filhos
Rodrigo Duarte
e
Esmeraldo Duarte
Numa festa a que vai cantar, na Fonte Santa, Alfredo conhece uma linda jovem chamada Judite. É então que decide constituir lar e desta união com Judite de Sousa Figueiredo, sua companheira até ao fim dos seus dias (tratava-a carinhosamente por "A minha querida "Ti Judite"), nascem os seus filhos Carlos, Alfredo e Aida.
Judite de Sousa Figueiredo Duarte"Ti Judite"
O Carlos cantou como amador e o Alfredo veio a ser profissional de Fado, tal como o pai, a Aida foi modista.
Carlos Duarte Aida Duarte Alfredo Duarte Jr.
O seu irmão Júlio Duarte, que também cantava o fado e era seu companheiro nas andanças fadistas, casou com uma jovem de seu nome Leonor Duarte, também fadista, a qual chegou a cantar num disco com o seu cunhado Alfredo. Os seus irmãos, quer a Júlia quer o Álvaro, nunca cantaram.
Álvaro Duarte Júlia Duarte
Como seu irmão Alfredo, Julio Duarte pertenceu a um núcleo de fadistas que sabiam ser fadistas, que cantava o Fado amando-o, merecendo o apreço do público e dos seus colegas.
Nasceu em Lisboa, na Freguesia de Santa Isabel, e é manufactor de calçado. Até casar viveu sempre com a mãe e os seus irmãos, tendo pelo irmão mais velho, o Alfredo, uma admiração muito especial, pois considerava-o como um pai.
Tinha apenas 14 anos quando começou a cantar o Fado, estreando-se no Centro Republicano Miguel Bombarda, sendo muito solicitado para actuar em academias de recreio, festas de caridade e actuou em quase todos os retiros da época, como no antigo Teatro Étoile, da calçada da Estrela, fazendo números de variedades com a pequenina actriz Hortense de Castro.
Torna-se profissional em 1928. Cantou-o então, nas cervejarias Boémia, Cervejaria Jansen, Rosa Branca, Chagas, Vitória, Cafés Portugal, Sul-América, Anjos, Julio das Farturas, Solar da Alegria (quando da gerência. de Alberto Costa), Salão Artístico de Fados, teatros Capitólio e Joaquim d'Almeida, nos clubes Tauromáquico, Olímpia, Montanha, Patos, Alhambra, e nos. Cinemas Europa, Jardim-Cinema, Cine Paris e Royal. Percorreu as províncias, cantando nos teatros de Évora, Barreiro, Seixal, Montijo. Setúbal, Torres Vedras, Malveira, Quinta do Anjo, Torres Novas, Caldas da Rainha, Mafra, Cadaval, Figueira da Foz, Abrigada, Cascais, Estoril, Moita, Parede, Paço d' Arcos, Alenquer, Feliteira, Merceana e Benavente.
Cantou nas casas fidalgas do Conde da Torre e Conde de Sabrosa, nas herdades do opulento lavrador Palha Blanco.
Tal como o seu irmão Alfredo, foi autor de várias músicas para Fados, “Combatentes”, “Crença”, “Fado da Paz”, “Fado da Aldeia” (gravado por Ercília Costa), “Fado Marcha”, “Lágrimas”, (gravado por Maria do Carmo), e ”Fado Luso”.
Da sua carreira de cantador, há uma tarde que Júlio Duarte gravou na memória, por assinalar um dos seus maiores êxitos. Foi em Vila Franca de Xira, no Retiro Botão de Rosa, onde cantou ao lado de Júlio Proença, Estanislau Cardoso e João Maria dos Anjos, com o acompanhamento do guitarrista e cantador Carlos Ramos e do violista Armando Machado. Houve uma cena que ficou famosa nessa noite: encontravam-se presentes dois detractores do Fado, combatendo-o grosseiramente. Com toda a gente enervada, começaram, ele os colegas, a cantar, sendo aplaudidos pela assistência que enchia o salão, de tal forma que a barulhenta parelha foi obrigada a retirar-se, com os dois basbaques vexados e vencidos. Foi uma tarde de triunfal.
Finalmente,, Julio Duarte actuou no Retiro da Severa, Solar da Alegria, Cafés Gimnasio, Luso e Mondego, Foi também muito solicitado para actuar na rádio, Emissora Nacional, Rádio Luso, Rádio Graça e Rádio Peninsular.
Cantou muitas vezes com o irmão, que só se profissionalizou mais tarde, embora tendo a fama que se sabe, mas já não assistiu a esse acontecimento, pois faleceu prematuramente.
Julio Duarte foi casado com uma fadista de renome nesses tempos, Leonor Duarte, de quem teve duas filhas, Júlia e a Aida.
Natural de Lisboa, foi esposa do cantador Júlio Duarte e cunhada de Alfredo Duarte “Marceneiro”
Dotada duma excelente voz e com uma excepcional dicção, dava tal sentimento aos versos que cantava, aliada a uma excepcional dicção, que em bem pouco tempo impôs o seu nome do cantadeira de Fado. Estreou-se a cantar no posto emissor de Abílio Nunes dos Santos e agradou de pronto e de tal modo, que foi imediatamente contratada para gravar em disco os seguintes fados: «Os pequeninos», «A Pastora», «Fado Aida», «0 teu olhar», «Desgarrada de Amor» (com o cunhado Alfredo Duarte “Marceneiro” e «A morte da Pastora».
Foi autora da música do Fado Os Pequeninos, que teve um grande sucesso. Cantou várias vezes, por especial deferência, no Solar da Alegria com o marido Júlio Duarte, (aquando da gerência de Alberto Costa), em festas de beneficência, tendo tomado parte também em diversos espectáculos, quase sempre na companhia do marido ou do cunhado.
Da sua curta mas brilhante carreira como cantadeira de Fados, a noite que mais a emocionou foi a da sua despedida, em 20 de Agosto de 1932, que coincidiu com a festa artística de seu marido, no Café dos Anjos, em que o público lhe tributou uma calorosa e prolongada ovação que muito a sensibilizou.
Leonor Duarte abandonou a sua carreira para se dedicar exclusivamente á educação de suas filhas, Júlia e Aida.
© Vítor Duarte Marceneiro in “Recordar Alfredo Marceneiro”