O texto abaixo transcrito é da autoria de Luís Cília, músico, cantor e compositor, e foi publicado no jornal " O Público" em 3 de Março de 1996.
Já aqui o tinha publicado, mas nunca é demais repetir...para alertar!
FADO REVOLUCIONÁRIO
A primeira vez que ouvi um disco do Alfredo Marceneiro foi em Paris, nos anos sessenta. E, como ainda hoje sucede, fiquei extasiado com a profundidade e veracidade de tal canto. Imediatamente, a voz de Marceneiro passou a fazer parte dos meus eleitos, ao lado de Atahualpa Yupanqui, Violeta Parra, Brassens, Ferre e dos grandes cantores de blues.
Confesso que não sou um entendido em questões de Fado e portanto apenas posso expressar o que sinto, sem qualquer pretensão teórica. Porém, ao ouvir Marceneiro, e pela forma muito peculiar que ele tinha de frasear, é possível, se nos abstrairmos da língua, compará-lo aos grandes cantores que fizeram a história dos blues.
Ainda em França, antes e depois de 1974, tentei transmitir o meu entusiasmo a outros músicos amigos. E pelo menos dois ficaram, como eu, seus admiradores: o Paço Ibafiez e o Leo Ferre.
De uma forma casual, o Alfredo Marceneiro ficou ainda ligado a dois episódios da minha vida.
O primeiro ocorreu logo a seguir ao 25 de Abril de 74, quando desembarquei (a 28) numa Lisboa que fervilhava de entusiasmo e onde começava, ao mesmo tempo, a germinar um sectarismo revanchista que tinha muito a ver cora o obscurantismo do passado e que, embora surgisse mascarado de revolucionário, nada tinha a ver com o que se passava a nível popular. Uma das facetas desse revanchismo foi o ataque ao Fado, conotando-o com o fascismo. A 29 de Abril de 1974, dei uma entrevista ao Mário Contumélias, para a revista "Cinéfilo", onde afirmei que considerava o Alfredo Marceneiro um cantor revolucionário. Embora na altura a afirmação tivesse algo de provocatório, a verdade é que ela não podia ser mais acertada. Ainda hoje penso que, no seu sentido mais profundo, o da transformação do homem no que ele pode ter de melhor, que é a sua sensibilidade, o Marceneiro representa, com a sua arte, o que de mais genuíno existe na cultura portuguesa.
Ê escusado dizer que, na altura, essa afirmação me trouxe alguns dissabores políticos— de que muito me orgulho. (1)
O outro episódio, de que não pude confirmar o rigor histórico, é o seguinte: num disco meu ("Margina 1", de 1981), gravei uma canção intitulada "Romance de Lulu do Intendente". Mais tarde, um amigo meu garantiu-me que, na sua juventude, o Alfredo Marceneiro era conhecido por... "Lulu do Intendente". (2) Não posso, como disse, garantir a veracidade do facto. Mas, a ser verdade... que alegria!
Foi uma espinha atravessada na garganta dos tais....
(2) Na realidade até cerca dos seus vinte e picos anos, era conhecido no seu bairro, Campo d´Ourique, pelo Alfredo “Lulu” , porque fazia questão de embora com roupas modestas, andar sempre aperaltado, mas não do Intendente, como aliás está explicitadoi no meu livro monográfico “Recordar Alfredo Marceneiro”
Alfredo Marceneiro canta
É Tão Bom Ser Pequenino
Versos de Carlos Conde
Música Fado Corrido
CARTA A ALFREDO MARCENEIRO por João Santos
Alfredo, meu querido amigo
minha missão é ingrata
mas lê bem o que te digo
e Deus esteja contigo
quando abrires esta carta
notiçias, tu! ai tens minhas
cá vai de mal a pior
eu te explico nessas linhas
o versiculo que tu tinhas
agora é fado menor
afirmo,com toda a certeza
lê: e fica descansado
Deus trabalha por natureza
agindo em tua defesa
com fadistas a teu lado
escreve, Deus por linhas tortas
é ditado português
Alfredo se não te importas
hei-de procurar respostas
e escrever-te outra vez
cantar-te, o desfecho final
actuaçâo de ventricúlo
acabar-se o carnaval
o menor sentir-se mal
e passar a ser versículo