Historiador licenciado, Etnógrafo. Escritor e poeta-cronista.
Flaviense de gema, pois foi na cidade de Chaves que nasceu.
Embora vivendo no Sul, não falta com a sua colaboração no semanário Notícias de Chaves, é responsável por uma página que aborda temas diversos de cunho cultural, e onde dá grande destaque à poesia.
Encetámos contacto através do nosso comum amigo o poeta Fernando Pinto Ribeiro. No passado mês de Junho enviou-me alguns poemas seus, dedicados ao projecto Lisboa no Guiness, dois dos quais agora aqui publico, com os meus agradecimentos.
REPE DO FADO VADIO
Poema de Manuel António Pereira
Fado vadio, saudade,
rufião da liberdade,
prostituta, proxeneta,
hedonista e/ou asceta,
pensador, filosofia,
preferes a noite ao dia,
ciúme, crime, paixão,
“as tábuas do meu caixão”.
Cantigas de amor e de amigo,
o escárnio canta contigo
ao abrigo dos poetas,
da lei da morte os libertas.
Marialva da paixão
na misógina traição
recusas lugar cativo,
cantas o povo furtivo.
Cigarros, copos- de- três,
mijas na esquina ao revés
das cordas trinando vida,
pela guitarra parida
por trágicas intimidades,
desconhecendo as idades.
Mares de afectos, comoções,
violas ,flores , ilusões,
numa boa, coisa boa,
“joaninha voa, voa,
leva as cartas a Lisboa”,
platónicas metáforas,
sensuais alegorias
p´las vielas mais sombrias
comigo sempre a teu lado,
fado vadio, vadias!
Martim Moniz - Quadro a óleo do Mestre Real Bordalo
SILÊNCIO, CANTA-SE O FADO
Silêncio, canta-se o fado
por Lisboa enamorado,
atrevido fado, gingão,
rei do fado, evocação,
Marceneiro, embuçado,
Bairro Alto renovado.
Alfama, estiva, marujos,
Mourarias de intrusos,
procissões e arraiais,
Feira da Ladra, jornais,
alcachofras,aguarelas,
Maluda, típicas janelas,
gatos de Fialho, a ronronar,
“Lisboa galante “ a desfilar,
quadras populares, Sto.António,
labaredas no escroto do demónio,
marchas dos bairros a passar,
arcos e balões,enlevado par.
manjericos no vaso, à janela
malmequeres de sentinela,
sina: muito, pouco, nada,
alterna no fado, gravada.
Sorrisos, lágrimas, ais,
carroças, jumentos, atafais,
malandrecos de urinol,
discussões de futebol,
Luas plas noites beijadas,
boémias e desgarradas,
rufias, chulos, rameiras,
nas varandas, as floreiras.
Caldo verde, verde vinho,
maduro ou branco, muitinho,
chouriço assado, sardinhada,
grelhados numa guitarrada.
Silêncio, canta-se o fado.
Lisboa canta, canta Lisboa,
canta até que a voz te doa.
Xailes choram de saudade,
amores e ciúmes ,amizade.
Marco do correio a conversar
com “aquela janela virada pró mar”.
Andorinhas nos telhados,
Portugueses deserdados,
”pão e vinho sobre a mesa”,
novo estado ,singeleza,
Estado Novo, vil pobreza.
Silêncio, canta-se o fado…
Na guitarra o Armandinho
trata as cordas com carinho;
ti Alfredo Marceneiro,
rei do fado verdadeiro,
Zé Viana,”Zé cacilheiro”,
o Chico do cachené,
citações em rodapé.
Varandas quase juntinhas
pedem salsa às vizinhas.
Leoa do fado, fadista,
já cantaste na revista,
que exilaram da cidade,
perversão da liberdade?
Varinas, canastras, chinelas,
descem na Madragoa as vielas,
Bairro da Esperança, Ribeira
da Júlia Florista, vendedeira.
Touros, cavaleiros, forcados,
marialvismos aperaltados,
“ a casa da Mariquinhas”,
“janelas com tabuinhas”.
Fadistices, tascas, fado vadio,
calceteiros,alarido,rapazio,
putos a jogar a trapeira,
o “chui” no giro, asneira…
No cais, uma grossa amarra
à liberta Lisboa se agarra,
chia a rir do marujo enjoado
fixando o bombordo atracado,
tudo existiu, tudo isto é fado.
Poema de Manuel António Pereira