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Associação Cultural de Fado

"O Patriarca do Fado"
Terça-feira, 23 de Julho de 2019

AMÁLIA E A LENDA - Faria hoje 99 anos

 

Amália e Marceneiro

(Lendas do Fado)

            No nosso tempo, Amália e a sua bonita lenda, constituem o motivo mais grato ao coração sentimental dos portugueses.

            Uma menina,  num bairro popular de Lisboa, frágil como haste duma flor, gorjeia timbres, qual ave de penas. Como esta também, quando as possui, saem-lhe da garganta adolescente os amargores que lhe possam ir no peito.

                        — Se tiveres tanto jeito para as letras como para as cantigas...

                        Era o que a avó lhe dizia. Morreu com 94 anos, e viu que a neta se inclinava mais para as trovas.

                        Ladina e gárrula entrou na escola cedo e saiu cedo. Só o preciso para decifrar os versos das cantigas.

                        Amália é um nome de raiz amorosa.

 

«Amália, sem amor

Não rima...»

 

                        O Tejo glauco e lírico caminha para o mar na sua eterna corrente elegíaca. A cidade é um presépio emaranhado. Manje­ricos e cravos de papel! O pardalito das ruas do seu bairro começa a cantar para os outros e os outros ouvem-na deslum­brados e alguns olhos choram.

                        — Há uma pequena do bairro de Alcantara...

                        De boca em boca, foi assim que a fama começou a correr. Depois...

                        Depois foram as primeiras cantigas públicas. Amália está numa casa entre a-terra-e-o-mar, mas nasceu na Mouraria, junto ao Benformoso, ao pé da Calçada de Santana.

                        Quando tomou parte num concurso da Primavera, organi­zado por um jornal de Fado como o nosso, todas as concorren­tes desistiam  ao ouvi-la. Foi-lhe pedido para que ela abandonasse a competição. Era o primeiro degrau para o seu trono de rainha.

            Nunca mais Lisboa deixou de ouvir os ais das suas cantigas nostálgicas e misteriosas. De retiro em retiro, chega ao teatro, à rádio e ao cinema. Todas as mesas se povoam; as lotações dos espectáculos esgotam-se e as emissões de rádio obtêm o maior sucesso. Duma vez foi ao Porto e veio de lá com o cognome de «Princesinha do Fado». Depois ao Brasil e, na chegada do avião, estavam os produtores à sua espera para assinar contractos dum filme que esgotaria as bilheteiras meses e meses seguidos. As suas canções e os seus fados postos em disco ou película, dão a volta ao Mundo inteiro. Portugal, para se fazer representar numa par­ada artística internacional, envia-a como embaixatriz das nossas cantigas. Madrid, Paris, Roma, Londres, Berlim, Estocolmo — todas as capitais da Europa a aplaudem e a conhecem.

                        Que fluido ou que sortilégio possui a voz de Amália Rodri­gues? Que amplidão sentimental e que força de sedução é capaz de arrastar consigo pobres e ricos, nobres e plebeus, desgraçados ofendidos, tristes e desesperados ou desconsolados?

                        Gentes de todos os matizes e povoados de todas as lingua­gens  a entendem. Ninguém explica mas todos atestam. Ela mesmo não sabe. Canta como os pássaros trinam, como o vento soa ou como a chuva chora. É a linguagem dos eleitos — a graça.

                        Um dos seus poetas dedicou-lhe esta estrofe:

 

                                               «Foi Deus

                                               Que me pôs no peito

                                               Esta voz...»

 

            E assim, as multidões a seguem. Os palcos são pequenos. Os redondéis das praças abrem-se para a multidão ansiosa. Veri­ficam-se os únicos recintos com capacidade para tal. Ela, franzina, silhueta negra, com o coração chagado, as mãos nas franjas do xaile, não tem mais nada do que a sua arte. Afunda-se, perde-se no espaço. Só a voz soa. Canta o lado da Mouraria, em cima dum estrado, entre uma viola e uma guitarra. É uma trágica a desfiar emoções. Nesta simplicidade aterradora está uma força telúrica inexplicável. Fenómeno? Talvez. Na singularidade ímpar da sua pessoa criou-se a sua lenda  a lenda da Amália, a lenda «Amalista».

                        Uma actriz popular, enraizada no Brasil há muito, quando lhe perguntaram a sua opinião sobre Amália, disse:

Esta é que é grande. Canta o Fado e deita-se ás seis da manhã! —

Fadista, grande, a maior fadista!

                        Ganha milhões e troca-os em moedas que espalha como pétalas de flores.

                        Na sua rua, todos estão ansiosos por vê-la quando ela sai. Lisboa adora-a. Portugal idolatra-a. Os presos chamam-lhe con­soladora e os exilados irmã.

Para ser eterna só lhe falta calar-se.

...Calou-se há 10 anos?  Não,   Amália vai cantando, cantando, cantando sempre.

 

AMÁLIA, É FADO

 Portugal inteiro viu

E uma Lágrima caiu

Foi tão triste a despedida

Já não vais ao Rio Lavar

E Deus Vai-te Perdoar

Que Estranha Forma de Vida

 

Na Rua do Capelão

Confesso, foi Maldição

Esse teu Nome de Rua

Malhoa, na sua vez

E esse, Fado Português

A quem disseste, Sou Tua

 

Eras Casa Portuguesa

Lisboa Não é Francesa

No mundo inteiro tens fama

Ai Mouraria, Madragoa

Foste, Maria Lisboa

E Madrugada de Alfama

 

Eu Queria Cantar-te Um Fado

Como, Tudo Isto É Fado

Foi a Deus que agradeci

A Gaivota, quebrou amarras

Silêncio, trinam guitarras

Disse-te Adeus e Morri

 

Maria de Lurdes Brás (2009)

 

Licença Creative Commons
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional, assim como registo na Sociedade Portuguesa de Autores, sócio nº 125820, e Alfredo Marceneiro é registado como marca nacional no INIP, n.º 495150.
publicado por Vítor Marceneiro às 00:00
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5 comentários:
De Ana Mestre a 6 de Outubro de 2009 às 03:03
Dizem que Amália morreu...é mentira...para quem a ama estará sempre viva...este blogue é uma das provas disso...

Obrigada
De Amaliano por paixão a 6 de Outubro de 2009 às 09:10
Caro Senhor

Gostei do que li, conheço praticamente tudo o que se escreveu sobre Amália, e este texto para mim é inédito e muito bem feito.
Sobre a fotografia, não achei a melhor ideia, desculpe não é por ser o seu avô, acho que devia ser só a Amália.
Sobre o seu trabalho, penso que é o único no género, por muito que outros se esforcem, você tem qualidade e nota-se que é credível.
Cumprimentos
A.R. - Amaliano por paixão
De Margarida Cerveira a 6 de Outubro de 2009 às 18:49
A RIMA É HOJE AMÁLIA e gostei da Toada do Vítor Duarte Marceneiro !
Esta "nota" ao seu Comentário tem a ver com a Fotografia ...
Por um lado concordo com a sua observação ! Por outro, a Fotografia que transborda TERNURA, parece-me adequada !
Quem sabe se, EM CANTO de IRONIA, Amália não segreda a Marceneiro:
- O que é que o teu Neto Vítor, anda a fazer lá por baixo ?! (... OS DOIS SÃO AGRADECIDOS E HÃO-DE ESTAR MUITO CONTENTES ... )
Um beijo. Margarida Cerveira.
De Vítor Marceneiro a 6 de Outubro de 2009 às 20:39
Caro Amaliano (anónimo) Também o que faço é por paixão, foi por paixão que coloquei a foto da Amália com o meu avô, só tenho pena de não ter uma foto com os três grandes... Marceneiro, Hermínia e Amália, pode crer, os tais de durante muitos, muitos anos, ainda serão recordados. Creia que usando de sarcasmo até podia ter feito uma foto-montagem , com os agora, grandes conhecedores, amigos, confidentes, etc. etc.., ou então a parte do filme que o Sr Carlos Saura com o beneplácito do CC,e outros que tais, para homenagear a nossa (não dele) Amália, vergonhosamente ela não canta no filme! pois devia cantar Fado e mostrar aos senhores da "Sauganhada " que até podia cantar flamenco, e bem, era a maior.
Não ouvi ninguém reclamar. E agora há pouco tempo um filme, com escolha de partes da vida de Amália muito discutíveis (referente ao interesse histórico dos amores de Amália), mas enfim eu também trabalhei em cinema, e o realizador e o argumentista têm a liberdade de criarem à sua maneira o guião.... mas pormenores de carácter histórico como é o caso do 1º marido da Amália, que passa de guitarrista para viola !!! è de bradar, o que me dizem quanto refiro este caso, é: O que é que isso interessa. Tenho dito. Um abraço Obrigado por vir ao blogue Comente sempre o que lhe aprouver. Vítor Marceneiro (neto do senhor que está ao lado da Amália) eu sei que já sabiam, mas desculpem lá...o sangue ferve de orgulho das origens.
De Ana Mestre a 6 de Outubro de 2009 às 12:19
AMÀLIA…
Há dez anos partiste e agora….COM QUE VOZ, cantaremos a tua música.
Como poderemos ouvir uma guitarra e não nos lembrarmo-nos da tua voz, olhar a GAIVOTA no céu e saber que já não estás entre nós…
Foste do povo, nasceste, viveste e morreste entre o POVO QUE LAVAS NO RIO.
Foste a rainha, tiveste palmas, lágrimas, flores e honras, mas toda a vida foste acompanhada pelo MEDO, ABANDONO, E TRISTE SINA.
Dizias FOI DEUS e que o que eras devias ao destino porque ao falares da tua vida afirmavas TUDO ISTO È FADO.
Viveste, amaste e foste a maior das maiores…solitária, triste, infeliz, alegre ou contente serás sempre a nossa rainha….
Quando me falam de ti só me apetece dizer:
ESTRANHA FORMA DE VIDA

Ana Mestre

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