por :Aniceto Carmona por: Armando Boaventura por: Fernando Farinha
3 caricaturas de José Pargana , sendo a do meio, uma auto caricatura sua, abraçando Marceneiro
Alfredo Marceneiro com o caricaturista e seu amigo José Pargana
Alfredo Marceneiro canta: Bebado Pintor"
Letra de: Henrique Rego Música de Alfredo Marceneiro
Depois de mostrar estas caricaturas, e embora fora do tema Lisboa, não resisto a relembrar estes lindos versos do grande poeta Henrique Rêgo, que foi uma criação de Alfredo Marceneiro com música sua a que deu o título: Alexandrino Bêbado Pintor
" O BÊBADO PINTOR"
Repertório de Alfredo Marceneiro
Letra de: Henrique Rêgo
Música de Alfredo Marceneiro
Encostado sem brio. Ao balcão da taberna
De nauseabunda cor, e t á bua carcomida
O bêbado pintor, a l á pis desenhou
O retrato fiel, duma mulher perdida
Impúdica mulher, Perante o vil bulício
De copos tilintando e de boçais gracejos,
Agarrou-se ao rapaz, e cobrindo-o de beijos,
Perguntou-lhe a sorrir, qual era o seu ofício.
Ele a cambalear, fazendo um sacrifício,
Lhe diz a profissão em que se iniciou,
Ela escutando tal, pedindo-lhe alcançou,
Que então lhe desenhasse o rosto provocante,
E num sujo papel,
O rosto da bacante
O bêbado pintor,
A l á pis desenhou.
Retocou o perfil, e por baixo escreveu,
Numa legível letra, o seu modesto nome,
Que o ébrio esfarrapado, e o rosto cheio de fome,
Com voz rascante e rouca, á desgraçada leu.
Esta louca de dor, para o jovem correu,
Beijando-lhe muito o rosto, abraça-o de seguida...
Era a mãe do pintor, e a turba comovida,
Pasma ante aquele quadro, original e estranho,
Enquanto o pobre artista
Amarfanha o desenho:
O retrato fiel
Duma mulher perdida.
José Rego Livro de poemas "Janela do Mundo
As Poesias de José Rego, conhecido por Zé Brasileiro, é uma compilação de composições escritas ao longo de anos.
Homem bem popular de Lisboa, (de rasto identificado em vários pontos da Cidade), nascido na Freguesia N." Sra. do Socorro (Mouraria), vive no Bairro da Boavista desde os dois anos, poeta há muito para a roda larga de amigos e convivas que o conhecem como veia repentista, ora mordaz, ora lírico de cadên cia certa e de palavra ajustada.
A quadra, tão própria dos poetas desta Lisboa popular, que animaram no passado retiros - e muitos e famosos existiram em Benfica - das tascas e tabernas, destas terras de antigo termo, eram horas de convívio à volta duma "rodada" que saía da palmatória de zinco, onde os copos transbordavam do vinho do barril.
O fado estaria presente como está nas compilações de José Rego: "o fado é
a vida da gente" pois quando "ouço uma guitarra" - "alegra-se o coração".
Homem do povo, compreende a "alma" deste nas "festas rijas" "com vinho
e sardinha assada", com bailaricos e fado".
Nas suas quadras pressente-se o pulsar de quem viveu na cidade, sobretudo. Muitas das suas composições vão direitas às experiências e contrariedades dessas mesmas vivências. Há, porém, um moralismo vertido nos versos quer de aconselhamento, quer de crítica social ou de pacifismo como era (é) comum nos criadores destes modos literários.
Revela-se contra a guerra, rejubila com a bondade, encontra-se como homem - na nossa língua, na nossa literatura e na liberdade que Abril nos deu: "como o pão da liberdade e belo Abril". Assiste e participa como estivesse numa janela, numa grande e ampla janela rasgada em todas as direcções.
Exorta a natureza, a fiel companheira, defendendo como objectivo de vida a "entrega ao fado" pois "Eu levo a vida a cantar! Dou ao fado a minha voz! Cantar o fado é sondar! A alma dentro de nós".
Como poeta popular o seu "pensamento" revela-se nas experiências e nas opiniões que transmite como generosa dádiva.
É de louvar a Junta de Freguesia de Benfica, que na oportunidade dos 60 anos da Boavista, apoie José Rego, com a publicação deste trabalho, que também é uma homenagem à população daquele emblemático bairro de Lisboa, hoje renovado, mas de vivência humana, social e de cultura popular dignas de registo.
Dr. Carlos Consiglieri
De Cacilhas P'ra Lisboa
Letra de: José Rego “Zé Brasileiro”
Da janela do meu quarto
Vejo Lisboa mais bela
Tão bela que não me farto
De a ver da minha janela
Vejo até o cacilheiro
E a poesia que tem
p' ra lá, p' ra cá, dia inteiro
Num constante vai e vem
De Cacilhas p' ra Lisboa
De um para o outro lado
Bate-lhe o vento na proa
Nunca se mostra cansado
Só quando chega a noitinha
O cacilheiro descansa
Mas volta de manhãzinha
À faina cheio de esperança
Quadro de Mestre Real Bordalo "Tejo ao entardecer "
Maria da Fé canta "Valeu a Pena"
Letra e Musica de Moniz Pereira
Maria da Conceição Costa Marques Gordo (Maria da Fé), nasceu no Porto em 1945 e sonhou de ser fadista desde os nove anos de idade. Apresentou-se e venceu um concurso de cantadeiras amadoras quando tinha 14 anos, o que venceu, e atingiu a sua estreia em palco no Teatro Vale Formoso do Porto. Quando tinha dezoito anos mudou-se para Lisboa e começou a cantar em casas de fados principalmente na Adega Machado e no Casino de Estoril. Em 1967 lançou o seu primeiro disco dedicado somente a fado em que realizou bastante sucesso com os temas Valeu a Pena e O Primeiro Amor. Durante os anos 70´s o seu nome é reconhecido a nível nacional e nos continentes da Ásia, América do Sul e em toda a Europa. Maria da Fé alcançou o seu maior sucesso discográfico com “Cantarei Até Que A Voz Me Doa” nos anos dos 80´s e também com outros êxitos como: Pode Ser Mentira, Divino Fado, Obrigado, Vento do Norte e Fado Errado, Senhora Dona Cidade.
Hoje em dia o seu repertório é constituído por imensos poemas da autoria de seu marido José Luís Gordo.
Fez parte do elenco inicial de “Entre Vozes” com Alice Pires, Alexandra e
Lenita Gentil.
Foi e é uma fadista muito apreciada .
Recebeu o Prémio Carreira da Fundação Amália em 2006.
Tem uma voz de conforto
P'ra quem sofreu ou chorou,
A cantadeira do Porto
Que Lisboa consagrou !
E assim Maria da Fé
Que pretende ir mais além,
Mostra o valor de quem é
Pelo nome que já tem !
O Galarim " p'ra saudar
Esta popular artista,
Confere-lhe aqui lugar
Por direito de conquista !
poema de: Carlos Conde
Senhora Dona Lisboa
Repertório de Maria da Fé
Letra de: Ary dos Santos
Música: Martinho da Assunção
Senhora Dona Lisboa
Burguesa de meia-raça
Vais do Terreiro do Paço
Ao miradouro da Graça
Levas saia pombalina
Blusa bordada ao redor
Sorriso de ceda fina
Cinta d´Eça de Queiroz
Com vestido de azulejos
E peito alto entalado
Num decote sobre o Tejo
Tens corpo de rio e Fado
Senhora Dona Lisboa
Cada praça mais formosa
E nas ruas da idade
Com paredes cor de rosa
Casamento de Maria da Fé (Os noivos com Alfredo Marceneiro e mulher)
Imagem de sapateiro de vão de escada
Desde o século XIX e até meio do século XX, o artífice de sapateiro, desde que não trabalhasse para grandes lojas ou para casas senhoriais, para sobreviver, tinham que se estabelecer por conta própria, e para tal, tentar arranjar um vão de escada para alugar, era economicamente o mais viável.
Nesta época havia muitos sapateiros de escada por toda a Lisboa.
Era uma vida dura e pouco gratificante em termos económicos, pois os seus clientes era o povo mais humilde, que muitas vezes mandava reparar o calçado, e ou não o chegava a ir levantar por dificuldades financeiras, ou às vezes passado muito tempo.
A sua postura corporal para trabalhar, era sentado num pequeno banco de madeira muito baixo, e no seu próprio colo sobre um avental de couro era a sua mesa de trabalho, é de ver que sentado nesta posição tantas horas seguidas, com luz deficiente mesmo durante o dia principalmente no inverno, tinham que ter praticamente o candeeiro a petróleo sempre aceso.
Trabalhavam dias e dias a fio, só se parava ao domingo de manhã para ir à missa, a saúde tinha que ser precária e muitas deformações, problemas de coluna, da bacia, na vista, etc..
Meu Bisavô Rodrigo Duarte, já tinha esta profissão no Cadaval , quando com a minha bisavó Gertrudes da Conceição lavava roupa para fora.
Passaram no inicio grande dificuldades, até que arranjaram um local à Praça das Flores, que além do vão de escada para poder montar a pequena bancada de sapateiro, tinha uma arrecadação que mais não era que um corredor comprido e com uma largura razoável, atamancada para poderem lá viver. O corredor dava para um saguão , onde minha avó podia lavar roupa para fora, e foi neste ambiente que Alfredo nasceu e lá tiveram mais três filhos. (esse prédio já hoje não existe)
Rodrigo Duarte morre prematuramente em 1905 com uma "tísica galopante".
Meu avô viu-se assim aos 14 anos como o cabeça de casal, e esteve sempre com sua mãe até à hora da sua morte.
Meu avô Alfredo começa a trabalhar e arranja uma pequena casa na Rua da Páscoa, num pátio lá nasceram os seus filhos, e foi onde viveu os restos dos seus dias.
Foi um filho e irmão exemplar, que o adoravam, foi pai e um avô exremoso.
Lavadeiras de roupa
Fui à Feira da Ladra
Tinha eu uns seis anos de idade, quando num Sábado o meu pai me foi buscar a casa dos meus avós para me levar a conhecer a Feira da Ladra. Nessa época meu pai já tinha abraçado a profissão de "Artista de Variedades – Fadista", mas estava no início, o que ainda não lhe dava estabilidade económica. Com o falecimento precoce de minha mãe, passei a viver com os meus avós, na Rua da Páscoa, a Santa Isabel – Campo de Ourique.
Fomos a pé até ao Largo do Rato, descemos a Rua de S. Bento e, quando íamos a meio da Av.ª D. Carlos I, comecei a chorar porque me doíam muito os pés; tinha calçado nessa altura umas botas de carneira com sola de pneu, boas para jogar à bola, mas para caminhadas pareciam ser feitas de chumbo. Meu pai ficou um pouco arreliado, pois estava a fazer planos para irmos até ao Campo de Santa Clara a pé, e logo me disse:
– Lá vamos ter que gastar catorze tostões em dois bilhetes de eléctrico para a Graça.
Carro Elécrico aberto anos 50
Chegámos a Santos e apanhámos o eléctrico, tal como o da foto acima (eléctrico aberto). Lembro-me que enjoei um pouco, pois o meu pai disse-me:
– Eh pá, estás amarelo, não vomites no carro – e passou-me para o topo do banco, onde era totalmente aberto, agarrando-me o braço com força para eu não cair.
Lá chegámos e entrámos para o recinto, pelo lado da Rua da Voz do Operário.
Foto do ambiente da Feira da Ladra, anos 50
Aquilo era um mundo fantástico para mim (tantas coisa giras); algumas eu nem sabia para que serviam, mas meu pai era frequentador e já ia com a ideia fixa do que queria comprar: uma grafonola! Fomos ao poiso do homem que ele sabia ter uma para vender, embora avariada. Na semana anterior já tinha tentado negociar um bom preço, mas não conseguiu. Com a minha presença (talvez para puxar ao sentimento) e batendo no argumento de que a corda estava partida e talvez nunca fosse possível arranjá-la, lá a comprámos por 20$00, incluindo uma caixa de agulhas e um disco de massa da "Voz do Dono" com dois temas de Maria Alice (que mais tarde veio a ser mulher de Valentim de Carvalho).
Tentámos, nos vários comerciantes, arranjar um disco do meu avô para lhe fazer a supresa, mas em vão; os discos de "Marceneiro" ainda eram preciosidades, raras de mais para aparecerem por ali.
Com o meu pai a transportar a grafonola, que depois de fechada parecia uma mala e tinha uma pega, começámos a descer em direcção à Av.ª 24 de Julho, para nos irmos embora. Ao passarmos junto ao gradeamento que dá para o Hospital da Marinha, havia um homem a vender calçado usado, mas com bom aspecto e muito bem engraxado. Os meus olhos fixaram logo uma botas de cano alto (à cow-boy). Pedi ao meu pai para ir ver se eram da minha medida, calcei-as e recordo que estavam um pouco compridas. Mas o homem disse logo que era a minha medida e que tinham solas novas, estavam muito baratas, só 15$00. Ó paizinho, compre, para eu levar para a escola (eu entrava em Outubro desse ano de 1952 para a 1ª Classe, nas Oficinas de S. José, aos Prazeres).
– São caras e o pai só tem... – e levou a mão ao bolso, mostrando 8$60.
O homem, com a sua lábia de vendedor, disse-lhe:
– Estas botas, por 15$00, são um pechincha... Mas como o miúdo está aí tão triste, dê cá isso e leve lá as botas.
Mesmo antes que meu pai dissesse algo, embrulhou-as em papel de jornal, atou-as com uma guita, à volta. Eu agarrei-as logo, pois o meu pai, carregado com a grafonola, ainda podia dizer que não, o que não aconteceu. Lá deu o dinheiro ao homem e – meu Deus, como hoje recordo (sem pieguices ,mas com uma lágrima no olho) – que alegria!
Começámos a descer para a 24 de Julho, quando o meu pai se volta para mim e a rir diz:
– O menino Vitó levou a sua avante, mas esqueceu-se de uma coisa: o pai não tem mais dinheiro e agora temos que ir para casa a pé; e olha que não te posso ajudar porque a grafonola ainda é pesada.
– Ó paizinho, não há problema; eu aguento.
– Sempre quero ver isso – retorquiu ele.
Chegámos ao Cais do Sodré e eu derreado, já não conseguia dar mais um passo. Meu pai, a quem também já doía o braço de carregar a grafonola, poisou-a no chão, junto a uma parede, sentou-me em cima dela, disse-me que não saísse dali porque ia ao bar da gare dos comboios, ver se estava lá alguém conhecido.
Fiquei ali e, passados uns minutos, o meu pai aparece com uma sandes de torresmos e um pirolito. Fiquei deliciado, porque já havia um bom bocado que tinha fome e sede, mas não tinha dito nada para não complicar ainda mais a situação. Então, ele disse-me:
– Bem, espero que tenhas aprendido a lição; mas como o pai ainda descobriu aqui no fundo do bolso uns trocos, que deram para as sandes e ainda nos sobrou 2$00, assim podemos ir de eléctrico até ao Rato.
Calculem o alívio e alegria quando ouvi esta novidade, e lá fomos os dois a rir às gargalhadas para a paragem do eléctrico.
Foi um dia em cheio (que saudades, pai)...
Mal chegámos a casa, o meu avô começou logo meter-se com o meu pai, em ar de troça:
– Uma grafonola... e avariada!
– Deixe estar, que eu e o Vitó arranjamos isto – dizia o meu pai.
Claro que eu não percebia nada daquelas coisas, mas recordo ter ficado todo orgulhoso com o comentário. No futuro viria a ter esse jeito para as máquinas e ferramentas, mas meu pai era um grande “engenhocas”, lá em casa arranjava tudo.
Limpámos muito bem a caixa, que estava um pouco mal tratada, e meu pai desmontou o engenho de corda. Lembro-me que era parecido com a corda dos relógios de sala e – vejam a nossa sorte – a corda não estava partida, tinha-se solto o engate da ponta, que prendia ao sistema de fixação do enrolamento. O meu pai todo contente só dizia:
– Eu sabia, eu sabia!
Após a montagem, com a família toda à volta do engenho posto em cima da mesa de jantar, o meu pai dá à corda, destrava a pequena alavanca e o prato começa a rodar. Foi uma proeza saudada com grande algazarra e alegria. Logo o meu avô deu o dito por não dito:
– Já podemos tentar arranjar uns discos meus.
Entretanto, meu pai monta uma agulha, dá à corda (avisa-nos que não se deve rodar até prender, pois pode partir a corda ou voltar a soltar-se o engate) e põe o disco da Maria Alice. Foi, decerto, o primeiro disco que ouvi na minha vida, de tal forma que ainda hoje me lembro do fado na totalidade:
Acredita meu amor
Quando te vou visitar
Às grades dessa prisão
Sufocada pela dor
De te ver assim penar
Estala meu coração
Por mim mataste um rival
És agora condenado
Ao degredo por castigo
Mas juro por amor fatal
Não vai meu corpo a teu lado
Mas vai minha alma contigo
Depois, tomámos o gosto à grafonola e o primeiro disco do meu avô que arranjámos foi da “ODEON”, com os temas, "Amor de Mãe" e "Os Olhos". Como sabem, as grafonolas não tinham uma velocidade constante, e então o meu avô, quando se ouvia, exclamava:
– Então não é que até parece que tenho voz de mulher!!
Disco de Grafonola 78 r.p.m
Mas voltemos às botas. Conforme tinha sido combinado, eram para estrear no primeiro dia de aulas, e assim foi, penso que a 6 ou 7 de Outubro. Nesse dia chovia torrencialmente, as botas vinham mesmo a calhar.
Ao fim do dia cheguei a casa desolado e com os pés todos molhados, pois as solas estavam todas desfeitas: eram de cartão colado sobre a sola inicial já gasta, muito bem pintadas, com anilina preta e graxa, o que lhes dava aquele aspecto consistente e novo! Fartei-me de chorar com o desgosto, mas mais tarde até rimos, porque nos lembrámos de como fora o negócio e, afinal, os enganados fomos nós. Pediu-se orçamento ao sapateiro, mas a minha avó disse logo que não se podia agora estar com aquela despesa, as solas e a mão-de-obra custavam quase 30$00 (o meu avô, naquela altura, ganhava 50$00 por noite e o meu pai, quando arranjava para cantar, não ganhava mais do que 20$00 a 25$00 por noite).
Ora, a solução acabou por ser uma alegria e um orgulho para todos nós, isto porque o meu bisavô (pai do meu avô Alfredo) era sapateiro e o meu avô, nos intervalos da escola, até o pai morrer, foi aprendendo o oficio e dando uma ajuda no trabalho. Como o meu avô era habilidoso, desembaraçava-se bem; comprou num armazém, em S. Paulo, um bocado de sola que lhe custou 6$00 ou 8$00 e, como tinha as ferramentas da arte de sapateiro que tinham sido do pai – as formas, sovelas etc. – foi ele próprio que me colocou as solas nas botas, botas que usei enquanto me serviram. Creio que ainda acabaram por levar umas solas de borracha.
Desculpem estes desabafos/recordações dos meus Fados!
Vítor Duarte Marceneiro
Quadro a óleo do Mestre Real Burdalo
«Feira da ladra 1998»
A Feira da Ladra
Repertório de Fernando Maurício
Letra de: Carlos Conde
Música - Raul Pereira
Fui à Feira da Ladra, a mais bizarra
Das Feiras com a marca do passado,
E vi num ferro-velho uma guitarra
De tampo, sujo, negro, desgrudado!
No fundo uma etiqueta já sem cor
Ocultava um retrato que ficou
E que era de um famoso tocador
Que a morte há muitos anos já levou!
Quatro cordas em rugas de cantigas
Se mais nada fizessem recordar,
Lembravam quatro décimas antigas
A volta de uma quadra popular!
Comprei aquela jóia que se enquadra
Em tudo o que são velhas raridades,
I´nda é preciso haver Feira da Ladra
P'ra nos mostrar o preço das saudades
Tony de Matos canta: Vendaval
Letra de: A Rodrigues Música de: Joaquim Pimentel
António Maria de Matos (Tony de Matos), nasceu no Porto a 28 de Outubro de 1924.
Estreou-se em 1945 na Emissora Nacional no programa “ Hora de Variedades “ como cançonetista.
Fez teatro, cinema e esteve radicado algum tempo no Brasil, onde chegou a abrir em Copacabana o Restaurante “O Fados” Toni de Matos foi sem dúvida um cançonetista de rara sensibilidade e voz bonita, a suas interpretações fizeram vibrar corações, era um homem apaixonado e tinha indiscutivelmente uma alma bem fadista.
Em 1953 actua em Moçamedes.
Em 1955 fez parte de uma “embaixada” de artistas portugueses que foram actuar à Índia.
Grava o seu primeiro LP no Brasil em 1963
Na revista no Teatro ABC em 1968 na revista “Arroz de Miúdas” com Aida Baptista,, Carlos Coelho, Oscar Acúrcio, Delfina Cruz e Beatriz da Conceição, Toni de Matos canta um fado, que obteve um grande êxito - «O que sobrou da Mouraria».
Estreia-se no cinema em A Canção da Saudade (1964) de Henrique Campos, sendo ainda protagonista em Rapazes de Táxis (1965) de Constantino Esteves, O Destino Marca a Hora de Henrique Campos e Derrapagem (1972).
Toni de Matos era um homem que tinha muitos amigos e admiradores, pois tinha o dom natural de cativar quem com ele convivia.
Cantou canções, mas os fados que cantou, eram de alma fadista, e direi mais as canções que cantava, todas elas sabiam a Fado.
Alguns dos seus êxitos que nos ficarão na memória: Quando Cai uma Mulher; Só nós Dois; Romance Cigano; Quarto Alugado; Coitado do Zé Maria; Vendaval; Lugar vazio; De Homem para Homem; Fiz Leilão de Mim; Fado para dois: O Destino Marca a Hora; Trova do Vento que passa; Tu Sabes Lá; Maria do Céu; Vou Trocar de Coração; A Tal. Etc...
Faleceu em 1989, tendo a seu lado uma grande Senhora, Lídia Ribeiro, sua companheira de então.
Nota: Artur Ribeiro quando faz o poema A Rosinha dos Limões, oferece em primeira mão a Tony de Matos, que não gostou muito do tema, e não aceitou. Como se sabe, acabou por ser um êxito de sempre dos poemas de Artur Ribeiro, cantado por Max, e mais tarde Tony então grava o tema.
QUARTO ALUGADO
Repertório de Toni de Matos
Letra de: J. Maria Rodrigues
Música de: António Rodrigues
Daquele quarto alugado
Numa rua de Lisboa
O tempo correu à toa
Resta apenas a saudade
Ao relembrar o passado
Sinto que a vida correu
Nem és minha nem sou teu
Nem há sequer amizade
Daquele quarto alugado
Resta apenas a saudade
Naquele quarto alugado
Sem tristezas e sem dinheiro
Tendo o sol por companheiro
Só amor lá vivia
Era feliz nosso fado
O mundo só para nós dois
Veio o ciúme e depois
Morreu nossa alegria
Daquele quarto alugado
Só ficou a nostalgia
Lucilia do Carmo Canta " Foi na Travessa da Palha"
Letra de: Gabriel de Oliveira Música de: Frederico de Brito
Lucilia do Carmo com Alfredo Marceneiro
Policia Sinaleiro
Olha o policia sinaleiro
Ai, passa agora,
Mas se não passas
Ficas sem carta e sem dinheiro
PORTUGAL OH. MEU TESOIRO,
CHAMAM-TE PEQUENO E POBRE
VALE MAIS DO QUE O OIRO
A TRADIÇÂO QUE TE COBRE
Comemora-se os 50 Anos de Televisão pública em Portugal, a inauguração foi na antiga Feira Popular (1) Luna Parque) a Palhavã, que era para nós miúdos uma coisa do outro mundo, ficava no (2) Parque onde está a Fundação Calouste Gulbenkian, tive a felicidade de l á estar e nunca mais me esqueci daquela caixinha mágica, acabei de vir a ser profissional de Cinema e Televisão... o sonho concretizou-se.
Relembro este acontecimento porque para mim est á relacionado com Fado, pois naqueles anos quase todos os fadistas profissionais e amadores que sobressaiam , eram convidados a cantar para à RTP. Depois de abrirem os outros dois canais tudo piorou, e até a RTP deixou de dar pr á ticamente Fado, agora são sempre os mesmos que vão aos mesmos canais, e a RTP vai-nos dando as "Memórias".
Passa a alguém pela cabeça que O Fado venha a ser considerado património da Humanidade, embora seja uma forma musical única no mundo? È no próprio país que reivindica a designação, os nossos ministros dão entrevistas a dizer que não gostam de Fado. A Televisão Pública não tem programas de Fado. (Excepto se for alguém premiado lá fora),.!!!
Mas meus amigos vem aí a solução.
Ficcão... ou Talvez não!
H á um Realizador de Cinema (Documentários) o Sr. Saura , que é quem sabe da poda, foi -lhe pedida ajuda de uns entendidos (conselheiros), que até arranjaram um mecenas (o er á rio público), pedindo-lhe para fazer um filme histórico e isento, porque os realizadores portugueses são uns intelectuais e não de debruçam sobre estes temas menores, consta-se que o Sr. Saura ter á nbsp; logo ter dito: — Fado só com portugueses é uma chatice , assim vai se for como eu quiser , vai haver fado em flamengo, em brasileiro, em mornas etc.
O Sr. Saura estudou muito sobre Fado , e vai acabar, com conhecimento de causa por explicar de uma vez por todas aos portugueses, que o Fado não é nada nosso, foi roubado, nós fomos foi grande navegadores, e como aos marinheiro era h á bito ter uma mulher em cada porto, os marinheiros portugueses não fugiam á regra, ou não fossem latino machistas , assim em cada terra por onde passavam, aprendiam um pouco do que por l á se cantava nos bordeis, aprenderam uma notas com os escravos africanos, mais umas notas com os índios brasileiros, na Índia também tirámos notas, na China , no Japão, etc. , repovo á mos ainda Cabo Verde com v á rias raças, o que obviamente deu mais umas misturas de musicais diferentes.
Finalmente previdentes como somos, e para não sermos acusados de pl á gio, e hoje teríamos a pagar indemnizações a esses povos , juntámos tudo num molho e deu esta mistura de canção que chamamos Fado, e é por isso que só nós é que o cantamos em todo o Mundo. Mas é porque os outros não quiseram aproveitar esta "modinha"?, é porque é pobre musicalmente, é tocado num instrumento que tem cordas a mais, só tem 1º e 2º andamento e que é tocado de ouvido, os tocadores não vem do conservatório. Uma chatice .......
Ninguém tem dúvida que o Filme vai ser um êxito (ler a História do Rei Vai Nu), pois ele só ser á entendido por gente inteligente, e se não gostarem e protestarem o Sr. Saura até sabe daquela história do Manuel de Oliveira que no filme "Francisca" ninguém viu o filme até ao fim, a versão de televisão ninguém gostou, ali á s mudavam para o 2º canal, ou apagavam os televisores. Manuel de Oliveira em entrevista na TV confrontado com estes factos retorquiu : — O Filme é bom, o povo português é que é inculto, vejam como eu lá fora sou apreciado (Nota - felizmente é apreciado tem uma obra fant á stica, eu como inculto que sou, tenho direito a só ter gostado do Anikita Bóbó ).
Portanto seja o filme o que for, não tenham dúvidas que vamos ter muitos intelectuais e conhecedores a dizerem que nós é que não percebemos nada disto, um homem com o percurso profissional do Sr. Saura ter á sempre razão, quero dizer, ter á sempre alguém que lhe dar á razão!!
Pinturas: Mestre Real Bordalo
Pintura do Mestre Real Bordalo, o Arco antes da demolição e depois da demolição do Palácio do Marquês do Alegrete
Quadro do Mestre Real Bordalo da Igreja de Nossa Senhora da Saúde
(1) Vista da Procissão da Senhora da Saúde em desfile na Rua da Madalena
(2) O andor com a imagem de Nossa Senhora da Saúde