São os pregões de Lisboa
voz da vida, voz do povo,
seu Fado, sua alegria !
E cada voz que apregoa
tem um pregão sempre novo
p´ra cada hora do dia !
Poema de: Francisco Radamanto
Amolador à porta
Amolador á porta.... amola facas, tesouras e canivetes...
arranja chapés de chuva...
(Fazia-se anunciar antes de apregoar, tocando um melodia característica numa flauta de cinco tubos)
Vendedores de Castanhas
Quentes e boas... é croa a duzia
Assim era no inicio so século XX, uma cesta numa saca de serapelheira as castanhas cozidas
Quentes e boas ... oh freguês é croa a dúzia
( o carrinho com o assador começo nos anos cinquenta)
Vendeira de Figos
Há figuinhos de capa rota... quem quer figos, quem quer almoçar
à tarde apregoavam: quem quer figos que quer merendar
E DEUS LHE DEU A GRAÇA E A ALEGRIA, DE TER MORRIDO NA SUA FREGUESIA, COMO UM SOLDADO MORRE NO SEU POSTO
Alfredo Marceneiro faleceu na sua casa pelas sete horas da manhã do dia 26 de Junho de 1982, contava 91 anos. (*)
O seu corpo esteve em câmara ardente, na Igreja de Santa Isabel, sendo apostas na urna a Bandeira Nacional e a bandeira da cidade de Lisboa por iniciativa do, então, Presidente da edilidade Engº Krus Abecassis e ainda uma guarda de honra permanente prestada pelos Soldados da Paz do Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa.
O Padre designado para fazer as exéquias do funeral de Alfredo Marceneiro desconhecia de todo a sua obra, mas impressionado com os milhares de pessoas presentes no velório, quis esclarecer-se sobre a sua figura. Levou a noite a escutar o José Pracana e este tão eloquentemente lhe falou do seu querido amigo "Ti Alfredo", que no dia do funeral, o Padre ao dizer a Missa de Corpo Presente, ele próprio com as lágrimas nos olhos enalteceu a sua imagem de lisboeta e fadista, amante da sua cidade e da sua freguesia E a todos supreendeu, quando recitou os versos que Marceneiro tantas vezes cantou:
Alfredo Marceneiro canta:
A Minha Freguesia
Se os cantadores todos, hoje em dia
Ruas e bairros cantam, de nomeada
Eu cantarei á minha freguesia
A de Santa Isabel tão afamada
Freguesia gentil que não tem par
É talvez de Lisboa, a mais dilecta
De D. Diniz, a rua faz lembrar
O esposo de Isabel o Rei poeta
Lembra a Rainha Santa, quando vinha
Transformar o pâo em rosas, com fé tanta
Ela que Santa foi, menos Rainha
Mas foi entre as Rainhas, a mais Santa
Poetas e literários, foram seu
Ilustres moradores, geniais
Como Almeida Garrett, João de Deus
Teófilo, Junqueiro e outros mais
Freguesia onde enfim, moro também
Onde sempre pisei honrados trilhos
Nela casou a minha querida mãe
E nela é que nasceram os meus filhos
Que Deus me dê a graça, a alegria
Na vida tão cheínha, de desgostos
A vir morrer na minha freguesia
Como um soldado morre no seu posto
Assim, até na sua morte o Fado acontecia. Cumpriu-se o desejo que Alfredo Marceneiro cantava nos versos escritos pelo poeta Armando Neves.
É de realçar, que não havendo espaço no talhão dos artistas no Cemitério dos Prazeres, a Câmara Municipal de Lisboa, disponibilizou um gavetão perpétuo para repouso dos seus restos mortais.
Milhares de pessoas acompanharam o cortejo fúnebre que apesar de ser proibido se efectuou a pé, numa sentida manifestação de pesar desde Santa Isabel até ao Cemitério dos Prazeres. Guitarristas dedilharam os seus instrumentos, durante todo o percurso, " a sua Marcha" em tom dolente e magoado, que mais parecia um choro de guitarras.
O Povo de Campo d´Ourique estendeu colchas nas janelas, numa homenagem singela ao homem simples do seu bairro.
Todos os orgãos de informação se referiram á efeméride, com títulos de destaque.
(*) 91 anos em termos de registo de nascimento, masa na realidade tinha 94 anos
Chorai Fadistas, chorai...
A morte de Alfredo Marceneiro
— A GRANDE LENDA DO FADO
in Diário de Notícias
« Ti Alfredo » deixou-nos
Morreu O REI do FADO.
Morreu aquele a quem apelidaram de
—PATRIARCA do FADO
Marceneiro morreu, o fado de luto
Morreu Alfredo Marceneiro
— O MONSTRO do FADO
Guitarras choraram por Alfredo Marceneiro
in Correio da Manhã
Morreu Alfredo Marceneiro...
O Fado lisboeta está de luto.
in O Dia
De todos os jornais diários que se referiram á efeméride destaco o artigo assinado pelo jornalista e poeta Fernando Peres que foi seu grande amigo e admirador:
GUITARRAS CHORAM NO FUNERAL DE MARCENEIRO
in A Capital
"Não sabemos de quem teria sido a ideia mas não é difícil adivinhá-lo: José Pracana tem alma de poeta e uniu-o sempre ao ti Alfredo uma amizade filial. Talvez pela primeira vez, desde a saída do corpo até ao cemitério dos Prazeres, guitarras e violas choraram o que deixa insubstituível um lugar e foi um intérprete ímpar de várias gerações. Apenas melodias suas foram escutadas por gente que se espalhava pelas janelas para assistir ao cortejo enorme e ouvir um coro imenso de vozes de que Alfredo Duarte (o Marceneiro para toda a gente) era autor e andam na boca de toda a gente.
Esta é uma verdade indesmentível. Se reflectirmos, podemos concluir que a vida e a morte constituem os círculos viciosos do tempo.
A hora que se viveu é uma hora morta. Aquilo que hoje é emoção violenta, constitui amanhã, uma sensação esquecida.
Devemos insistir: esta é uma verdade indesmentível pois existe dentro de cada homem uma tragédia que ele ignora e uma comédia que ele vive. Algumas vezes, a tragédia é caricata ridícula, dá vontade de rir. Mas nunca ninguém riu da tragédia que consigo arrasta. É que a dor é um sinal da vida. Na realidade, só vive quem sabe sofrer...
Por isso ti Alfredo não sofre sózinho. Consigo leva um bocadinho do coração de todos nós. Os ídolos do fado são ídolos do povo. E um desses foi esse extraordinário Alfredo Marceneiro, decano dos intérpretes portugueses e, talvez, mundiais. Quase todos choraram quando foi o «momento da despedida». Mas homens como o ti Alfredo não morrem, nunca. Faltou a madrugada, substituída por um Sol radioso. Mas tudo teve expressão e significado. Valeu pela intenção valiosa e espectacular (houve quem estivesse de muletas). Se era preciso, foi a consagração de um grande fadista. Quantos o acompanharam, e entre eles o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Leonor Beleza, constituíram um público, sem distinção de classes ali acorrendo a acenar o seu adeus ao maior intérprete da canção, nascida não se sabe onde ecoou em vozes doridas e viciosas nas betesgas das ruelas de Lisboa. Depois, ganhou raça em gargantas aristocráticas e hoje corre mundo na névoa das «boites».
De facto, passam tristezas a desfazer-se e o vento arrasta-se, lentamente, com vagares de cansaço. Já se feriram alegrias em vibrantes risos. Uma lágrima indiscreta espreita um sorriso.
Não o disse? «Felizes os que sabem, colhendo beleza e poesia, refugiar-se em recordações purificadas da mesquinhez do mundo. Felizes os que são sabem, colhendo inspirados pelo amor, para quem o poente é sempre uma rosa e o azul tem transparências». Teve a sua companheira — a tia Judite — ao seu lado até ao último momento. Mãe dos seus filhos teve até ao final um gesto de amor. «Felizes os que sabem andar feliz o coração no espaço infinito, entre orações, bençãos e perdão. Felizes os que sabem demorar o perfume que o amor deixou».
Lá estiveram os seu amigos. O infalível Júlio Amaro (como podia ele faltar?). E sabe uma coisa? Foi uma manifestação de ternura, neste mundo de egoísmos, cada vez mais fracas.
Ti Alfredo, até qualquer dia..."
Na Revita "MAIS" de 2 de Julho de 1982, destaca-se aqui o seu editorial e dois artigos da autoria de grandes jornalistas.
UM SILÊNCIO NO FADO
"Um silêncio no Fado, eis o que se fez, súbito, no último fim-de-semana.
Morrera Alfredo Marceneiro ou, se preferirem ele mudara de "poiso" para parte incerta onde, afinal, todos acabaremos por beber do mesmo copo — como ele continua, certamente a fazer.
Um silêncio no Fado, eis o que se fez, súbito no último fim-de-semana.
Um silêncio de guitarras e violas, um silêncio de gargantas vazias, um silêncio cúmplice de cantos impossíveis.
Alfredo Marceneiro "diz" agora ali mesmo, ao virar desta esquina, todos o sabemos. Por isso aqui estamos prontos a escutá-lo naqueles que o testemunharam, naqules que o viveram e conviveram.
Prontos, não a consagrá-lo (que é lá isso?) mas a guardá-lo, nosso."
"MARCENEIRO" — exemplo do fado autêntico
"Sim, é uma verdade indesmentível: os ídolos do Fado são os ídolos do povo. E Alfredo Marceneiro, o «maior» do Fado tinha em si qualquer coisa de indefinível, de boémia atrevida e palpitante a confundir-se com uma ingenuidade quase infantil. Como era ele, afinal?
Igual a si próprio: rezingão e pitoresco, com a sua madeixa preta, a testa enrugada, matendo ao pescoço o lenço de seda com um nó mal-humorado. Como cantava? Como ninguém: com voz saturada de sensibilidade, uma voz popular e instintiva intérprete como nenhuma outra, da pobreza feliz da cidade e a pesia do seu povo. No Fado, soube sempre poetizar Lisboa. E, por isso, talvez, já não pertence apenas ao Fado e aos que o admiram — é património de Lisboa.
A cidade vai perdendo as suas figuras típicas. Mas ainda tinha em Alfredo Marceneiro um exemplo do Fado autêntico, nascido não se sabe onde mas que vivia na sua alma. Ele possuía a reforma do ofício que foi durante anos um apelido. Chamava-se Alfredo Rodrigo Duarte, o «Marceneiro» para quase todos, «Ti Alfredo» para os fadistas e para os amigos. Andou a roçar os noventa e era ainda uma figura da noite lisboeta. Raros o viram de dia e sempre por ocasiões graves. De resto era a noite que o trazia, envolvendo-o nas suas sombras de mistério. E, parecia conservar nos lábios uma saudade e um beijo quando chegava e dizia: «boa-noite». Sim, era a noite quem o trazia pois é de noite que ele vivia no mundo onde ganhou fama e glória. A sua ronda diária pelas casas típicas (a terminar sempre madrugada alta) era já talvez, uma necessidade de se sentir estimado, acarinhado, vivo para os que lhe queriam bem. O Fado, a sua segunda vida foi, afinal, a sua vida inteira."
Assina: Fernando Peres
E ainda na Revista Mais um artigo de Miguel Esteves Cardoso
Ao fadista, Alfredo Marceneiro,
bem ido e bem vindo,
por,ocasião do fim da sua primeira vida (1891 - 1982)
"Se, como escreveu D.H. Lawrence, a morte é a única pura e bela conclusão de uma grande paixão, então a morte do fadista Alfredo Marceneiro é, também ela, um acto de paixão.
E é um Fado.
E é uma morte.
Mas um fadista não morre como morreram os outros homens.
A morte não o surpreende nem o leva — é ele que a chama e a ela se entrega. Porque ser fadista é atiçar, cortejar, pedir a morte desde o primeiro momento em que o Fado lhe nasce na voz. Um fadista, ao morrer, vê a sua arte a atingir o ponto máximo de perfeição.
E é um Fado.
E é uma morte.
Mas um fadista não morre como morrem os outros homens.
Ele trata a morte por tu. Conhece-le os jeitos e as manhas e só pode ter por ela o respeito que se tem por aquilo que conhecemos de gingeira: é gingão com ela, mas tem-lhe amor. Ou não fosse todo o Fado um fingimento da morte e todo o fadista um fingimento da vida
E é um Fado.
E é uma morte
E é uma saudade, e um destino. Ou não fosse a saudade, como memória do bem que jamais regressará, no qual que nunca desaparecerá, uma espécie de morte. O mesmo, em vida que ver morrer. Ou não fosse o destino, como pressentimento sem recuo nem apelo, uma espécie de preparação para a morte. O mesmo, em vida, que ver-mo-nos morrer.
E é um Fado
E é uma morte.
Pela saudade, o fadista pôde saborear a morte que lhe sobe do peito pela garganta, até à boca. É talvez um amargo e doce paladar — terá concretiza algo a ver com amêndoas cruas, caroços de cereja, vinho acre.
Pelo destino, o fadista faz no peito a cama á morte e o aroma desses lençóis sobe pela garganta até à boca e tem o cheiro de uma mortalha lavada nas lixívias pungentes da vida.
E é só um Fado.
É afinal apenas uma Morte.
Mas que sentido teria celebrá-la e senti-la senão com sua própria língua, a do Fado e da Morte ? A morte de um fadista, a morte de Marceneiro, só pode ser celebrada e sentida na voz de outro fadista. Não pode ser escrita, não consente ser lida.
Porque o Fado precisa dos seus fadistas mortos, das suas lendas e lugares. No Fado, o luto continua. Deste modo sempre. Ou há alguém que disputa a lenda e o lugar da Severa ? Ou há alguém que duvide que, como morto. Marceneiro servirá o Fado como o não pôde servir nos últimos anos da sua vida ?
E é outro Fado.
E é nenhuma Morte.
Ao morrer, Marceneiro inicia uma outra carreira no Fado. Tão bela e importante como aquela que findou. Será furiosamente lembrado, mistificado, transformado em voz. Porque é uma das bonitas qualidades do Fado: o Fado nunca esquece. Agora é que Marceneiro começará a viver, porque já está morto, reconciliado com o seu destino de homem, preparado para a sua missão de reminiscência e saudade.
E é este o verdadeiro Fado.
E é esta a verdadeira Morte.
Porque os fadistas não morrem como os outros homens.
Melhor: nem sequer morrem. Toda a vida anseiam morrer. De amor e paixão, de cio e da saudade. Sem respeitar a vida, que é coisa que vem e que passa, senão daquilo que a vida tem de transportadora. Transportadora da imagem e do desejo das coisas que se amaram, e que nela se guardam, tão brancos como no dia que nasceram,os vícios da alma, os vícios do corpo.
E é assim um bonito Fado.
E não é assim uma feia Morte.
Ou não haja alguém que ponha em causa que um fadista não é um homem que, ora em ora, canta o Fado. Não existe esse bicho: o fadista em tempo parcial. Cantar o Fado é apenas um momento na vida de um fadista, tão natural como abrir as janelas de manhã, tão normal como as tarefas do dia-a-dia. E as tarefas do noite-a-noite, as rondas, as batalhas, os amores, os vinhos, os amigos, os trabalhos, misturam-se com o canto e — nos grandes fadistas, como o Marceneiro — entram pelo canto adentro e tudo encharcam para que a voz depois dê vazâo à paixão, dê cor à dor, dê despejo ao desejo.
È isto o dito Fado.
Bendito Fado, para além da Morte.
Alfredo Marceneiro foi esse fadista em que o Fado, como mero canto, era indissociável do Fado, como mera vida. Mas se dantes não havia realidade que podia com o arroubo de lembrar — o Fado é uma perpétua reconstrução do passado, sabendo sempre que nunca o poderá reconstruir a tempo de evitar o futuro — se dantes não havia Marceneiro—homem que podia com o esplendor de Marceneiro—mito; agora, agora e durante os muitos anos que só o Fado guarda contristadamente faz enternecer, Marceneiro pertence todo ao Fado como nem ele em vida, conseguiu pertencer.
E é Fado
E deixa de ser Morte
Digamos só: Olá Alfredo Marceneiro, é bom tê-lo outra vez entre nós.
Assina: Miguel Esteves Cardoso
Imagem do Cortejo que acompanhou a pé, em marcha lenta, ao som das guitarras, Marceneiro até à sua sepultura
António Vasco tem sido figura constante no mundo do fado de há uns anos a esta parte.
Quem frequenta as casas de fado, viu-o fazer parte dos elencos das mais importante: Clube de Fado, Velho Páteo de Santana, Taverna do Embuçado, Mesa de Frades, etc....
O protagonismo que foi ganhando, não só nas casas de fado, como em muitas apresentações em Portugal e no estrangeiro fê-lo experimentar o teatro musicado e, com tal sucesso, que não existe outro fadista na sua geração que tenha tido tantas experiências teatrais em palcos de grande prestígio como o do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, com encenação de Ricardo Pais, o do Teatro Villaret, com encenação de Tiago Torres da Silva ou do Coliseu dos Recreios, no musical "Amália" com encenação de Filipe La Féria.
Depois de ter tido uma primeira edição limitada do seu CD "Saudade", com óptima aceitação, António Vasco prepara agora o lançamento, numa escala mais abrangente, deste que é o seu primeiro disco em nome próprio.
"Saudade" invoca e homenageia o fado no seu mais puro estilo tradicional.
Além de 10 fados e 1 marcha, encontramos neste disco uma balada com autoria de Augusto Madureira, um chôro de Marisa Monte e uma re-interpretação, com um cunho muito próprio, do clássico "Porto Sentido" de Rui Veloso.
Entre as letras originais, duas são assinadas por Tiago Torres da Silva e três pelo próprio António Vasco Moraes.
Em relação às restantes encontram-se, por exemplo, poemas de Alda Lara, João Ferreira Rosa e Frederico de Brito.
As composições musicais são dos clássicos e intemporais Alfredo Marceneiro, Jaime Santos, Joaquim Campos e Fontes Rocha, entre outros.
O disco conta com a participação musical de Dinis Lavos, Jaime Santos Jr e João Penedo, além dos convidados especiais; José Pracana, Filipe de Brito, Ernesto Leite, Tércio Borges e Gabriel Godói.
Nota: Texto fornecido pelo próprio
António Vasco Moraes
Canta: Triste Sorte
Letra de João Ferreira Rosa - Música Fado Cravo de Alfredo Marceneiro
Video de: 4FadoLisbon
Fado triste
Fado negro das vielas,
Onde a noite quando passa
Leva mais tempo a passar.
Ouve-se a voz,
Voz inspirada de uma raça
Que Mundo em fora
Nos levou pelo azul do mar.
Se o fado se canta e chora
Também se pode falar.
Mãos doloridas
Na guitarra
Que desgarra
Dor bizarra.
Mãos insofridas,
Mãos plangentes,
Mãos frementes,
Impacientes.
Mãos carinhosas,
De desejo,
Sequiosas como um beijo.
Mãos de pecado,
Mãos de fado
A guitarra a afagar
Como a um corpo de mulher
Pró despir e pró beijar.
Mas um dia, Santo Deus, ele não veio;
Ela espera olhando a Lua.
Meu Deus, que sofrer aquele!
O luar bate nas casas,
O luar bate na rua,
Mas não marca,
Mas não marca a sombra dele.
Procura-o como doida...
E, ao voltar de uma esquina,
Viu ele acompanhado,
Com outra ao lado,
De braço dado,
Gingão, feliz, rufião,
Um ar fadista e bizarro,
Um cravo atrás da orelha
E preso à boca vermelha
O que resta dum cigarro.
Lume e cinza na viela
Ela vê; que homem aquele!
O lume no peito dela,
A cinza no olhar dele.
E então...
O ciúme chegou,
Como lume queimou
O seu peito a sangrar. Foi
Como vento que veio
Labareda a atear,
O amor a aumentar.
Foi
A visão infernal,
A imagem do mal
Que no bairro surgiu.
Foi
Um amor que jurou,
Que jurou e mentiu.
Corre em vertigem, num grito,
Direita ao maldito
Que a há-de perder;
Puxa a navalha:
"Canalha,
Não há quem te valha,
Tu tens de morrer!"
Há alarido na viela!
Que mulher aquela,
Que paixão a sua!
E cai um corpo, sangrando,
Nas pedras da rua.
Mãos carinhosas,
Generosas,
Que não conhecem rancor;
Mãos que o fado
Compreendem,
E entendem
Sua dor.
Mãos que não mentem
Quando sentem
Outras mãos
Prà acarinhar;
Mãos que brigam,
Que castigam...
Mas que sabem perdoar!
E pouco a pouco
O amor regressou
Como lume queimou
Essa vida infeliz.
Foi um amor que voltou
E a desgraça tocou
Para ser mais feliz.
Foi uma luz renascida,
Um sonho, uma vida
De novo a surgir.
Foi um amor que voltou,
Que voltou a sorrir!
Há gargalhadas no ar
E o Sol a vibrar
Tem gritos de cor.
Há alegria na viela
E em cada janela
Renasce uma flor!
Veio o perdão, e depois,
Felizes os dois
Lá vão lado a lado...
E digam lá
Se pode ou não
Falar-se o Fado!
O jovem Alfredo fazia questão de andar sempre muito bem vestido, de fato, camisa muito bem engomada com o laço ao pescoço e calçando polainites de polimento. Desse seu aspecto elegante nasceu a alcunha de «Alfredo-Lulu» — Lulu era equivalente ao «Janota» dos dias de hoje. (Como se pode observar nas fotos inseridas)
Em meados de 1920, um grupo de fadistas decide organizar no recinto Clube Montanha, uma Festa de Homenagem a dois nomes grandes do fado de então: Alfredo Correeiro e José Bacalhau.
O poeta Manuel Soares, responsável pela organização do evento, não prescindiu de convidar Alfredo para fazer parte dele
No dia em que juntamente com o guitarrista José Marques, estavam a ultimar os detalhes para a composição dos cartazes de promoção da festa, chegaram à conclusão de que ambos desconheciam o apelido do Alfredo. Como acharam que «Lulu», como então ele era alcunhado, não seria o mais apropriado, decidiram por bem mandar imprimir os cartazes, anunciando em destaque "Alfredo MARCENEIRO", visto que esta era a sua profissão.
Os seguidores do Fado, que nunca perdiam a oportunidade de comparecerem a estes espectáculos, sentiram grande curiosidade em saber quem era aquele Alfredo Marceneiro, de quem nunca tinham ouvido falar e que tinha merecido tamanha evidência!
Assim não foi de admirar que rapidamente a lotação se tivesse esgotado.
Alfredo cantou, pondo tal ênfase na sua actuação, que no final foram para ele todas as honras da noite. Dos comentários a esse espectáculo saiu extraordinariamente prestigiado o seu nome.
" O MARCENEIRO"
Letra de Aramando Neves
Mísica: Casimiro Ramos
Com lídima expressão e voz sentida
Hei-de cumprir no Mundo a minha sorte
Alfredo Marceneiro toda a vida
Para cantar o fado até à morte.
Orgulho-me de ser em toda a parte
Português e fadista verdadeiro,
Eu que me chamo Alfredo, mas Duarte
Sou para toda a gente o Marceneiro.
Este apelido em mim, que pouco valho,
Da minha honestidade é forte indício.
Sou Marceneiro, sim, porque trabalho,
Marceneiro no fado e no ofício.
Ao fado consagrei a vida inteira
E há muito, por direito de conquista.
Sou fadista, mas à minha maneira,
À maneira melhor de ser fadista.
E se alguém duvidar crave uma espada
Sem dó numa guitarra para crer,
A alma da guitarra mutilada
Dentro da minha alma há-de gemer.
E foi assim que o Alfredo «Lulu» passou a ser para todos e, para sempre, conhecido por ALFREDO MARCENEIRO.
Mais tarde, o poeta Armando Neves escreveu um poema que lhe dedicou, ao qual deu o título: "O Marceneiro".
Estes versos com música de sua própria autoria foram o "seu Cartão de Visita", e passaram a ser tema obrigatório nas suas actuações.
Assim principiou a carreira de Alfredo Marceneiro, precisamente na altura em que o fado, saído dos cafés iluminados a gás (onde se ouvia ao piano, na voz de camareiras e faias), começava a impor-se no mundo do espectáculo. Ouvir então cantar a chamada canção nacional que, no entanto havia de manter-se nos retiros «fora de portas» e na garganta dos participantes das cegadas, em dias do Carnaval lisboeta, já não era uma perigosa aventura. É a partir daí que o fado, na sua forma estilizada, irá chegar ao teatro ligeiro e, mais tarde, ao cinema. Por outro lado, poetas como José Régio, Augusto Gil, António Botto ou Silva Tavares, encontram no próprio fado, inspiração para muitos dos seus versos. Aparecem novas vozes e, em breve, o fado passa a mostrar-se ao mundo, com foros de atracção internacional.
© Vítor Duarte Marceneiro in “Recordar Alfredo Marceneiro”
Alfredo Marceneiro
Canta: Cartão de visita "O Marceneiro"
As Marchas Populares, serão talvez designadas no futuro, com outro título!?....É por demais evidente que neste momento, o que interessa é a "Passagem na Avenida" para as Televisões, são elas que impoem regras.
E ~veja-se os preços para se ver ao vivo na avenida! Não têm nada de "populares". E as madrinhas e os padrinhos?, será que a maioria deles tem alguma coisa a ver com as tradições do bairro? Serão escolhidos pelos bairros, ou há outros valores por detrás?
Veremos o futuro, pois a prestação popular mesmo que explorada, será sempre a base das marchas....
...Lisboa és Linda e Bela...Lisboa és eterna...
A tradição vencerá.
OS SANTOS POPULARES
Letra de: Silva Tavares
O mês de Junho é o coração do ano
que ora canta, ora sofre, ora perdoa.
Um coração que desde há muito irmano
ao coração do povo de Lisboa.
Que espanta, pois, que os dois se queiram bem?
O idílio nada tem de singular
e, assim que Junho lá vem,
lá vai Lisboa a cantar!
Canta nos mastros e festões que à toa
documentam a ingénua fantasia
da gente boa da Madragoa,
de Alfama, do Bairro Alto e Mouraria.
Canta no tom dolente e pedinchão
dos garotos do bairro - e quantos há,
Santo Deus! - que nos barram o caminho
de bandeja na mão:
— « meu senhor, dê cá um tostãozinho
p'ró Santo António! Meu Senhor... dê cá!»
Canta nas alcachofras que se queimam
e, depois de ficarem qual tição,
vão espetar-se na terra — a ver se teimam
em reflorir ou não!...
Canta em ingénuas tradições caseiras;
em mil superstições e mil caprichos: ´
— No verde manjerico, nas fogueiras,
nas cornetas de barro, nos cochichos!
Nas bichas de rabiar, entre o clamor
estouvanado da histérica donzela;
nas bombas que rebentam com fragor;
na luz viva do fósforo de cor
que se acende à janela!
No ba1ão de Papel, cheio de fumo,
que, verdadeira imagem da ilusão,
domina o espaço e sobe e vai, sem rumo,
até extinguir-se a chama — o coração!
Canta nos bailaricos do mercado,
e nas sinas compostas a granel,
e nos trilos do grilo encarcerado,
e nas quadras dos cravos de papel!...
Quando virdes passar festivos arcos
de que pendam balões, simbolizando
velhas fachadas, monumentos, barcos
— é Lisboa que passa e vai cantando!
Canta p'lo Santo António, p'1o São João
e p 'lo São Pedro, enfim, num testemunho
fervente do seu culto à tradição
e num último adeus ao mês de Junho!
Tão velho afecto será sempre novo,
enquanto aos dois restar sombra de alento:
— Se Junho é cem por cento o mês do povo,
Lisboa, em Junho, é, povo cem por cento!
Santo Anónio
RECORDAR MALUDA,
é homenagear uma grande artista, gostava de Fado, tinha uma alma bem fadista, também cantava! Sim cantava Lisboa pintando as suas janelas, os seus quiosques e seus telhados.
Era grande amiga de Amália, visita diária de sua casa, quando Maluda faleceu (10 de Fevereiro de 1999), Amália, que a acompanhou sempre na sua doença prolongada, desabafou: - Perdi uma grande amiga. E que coisas há no destino, também ela nos deixou nesse mesmo ano.
Janela de Lisboa e Quiosque por Maluda
Video-Clip produzido por IANUS EDITORA
Canta Carlos Zel, Fado Maluda com letra
de Rosa Lobato Faria
Música: Carlos da Maia
Maria de Lourdes Ribeiro, Maluda, nasce em Goa, antigo Estado Português da Índia, a 15 de Novembro de 1934Aos 14 anos, a família muda-se para Moçambique, e inicia a sua paixão pela pintura.
Cedo começa a ser notada e faz várias exposições em conjunto com outros artistas sua geração.
Em 1963. obtém um bolsa de estudos da Fundação Calouste Gulbenkian. Viaja para Portugal onde trabalha com o mestre Roberto de Araújo em Lisboa.
Em 1964, vai para Paris, como bolseira da Gulbenkian. Estuda na “Académie de la Grande Chaumière” com os mestres Jean Aujame e Michel Rodde. Mantém contactos com os artistas Arpad Szènes, Vieira da Silva, Sotto, Piaubert, Pillet, António Dacosta e Cargaleiro e com os críticos Galy-Carles, Guy Weelen, Jean Louis Ferrier, Ringstrom e José-Augusto França.
Em 1967, Instala-se definitivamente em Lisboa.
Em 1968, Maluda sensibiliza-se com a paisagem de Lisboa, e logo neste ano os primeiros óleos sobre a cidade.
Em 1969, inaugura a sua primeira exposição individual na Galeria do Diário de Notícias, em Lisboa.
Em 1970, instala a sua casa-atelier na Rua das Praças, em Lisboa, onde viveu até à data da sua morte.
A partir dos anos setenta, segue-se uma carreira de grande prestigio.eExposição individual na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, inaugurada por Azeredo Perdigão. Pinta um dos seus retratos mais inspirados, o de Ana Zanatti.
Em 1975 Viaja para o no Brasil. O Museu da Manchete adquire cinco obras para a sua colecção.Pinta “Baleizão”, uma das suas obras mais poéticas. Tem novamente uma bolsa de investigação da Fundação Gulbenkian.
Em 1977, Viaja e trabalha em Londres e na Suíça.
É 1978, dá início à famosa série de 39 Janelas, começando com “Janela I” de Évora.
Seguem várias exposições em Lisboa e no Porto
Em 1979, recebe o Prémio de pintura da Academia Nacional de Belas Artes de Lisboa.
Numa exposição na Fundação Gulbenkian em Paris. O M.N.E. adquire um quadro que o Presidente da República oferece à Bulgária.
Em 1981, é editado o livro “Maluda” (Editions du Manoir, Lausanne, Suíça) com prefácio de Vieira da Silva e texto de Simone Frigerio.
Alexandre O’Neill escreve os poemas “Persiana para Janela de Maluda (I e II)”.
Edita a primeira edição de serigrafias, de um total que viria a ser de 62, a partir do óleo “Ilhas”.
Em 1985, os CTT propõem-lhe editar selos dos seus quadros “Quiosques de Lisboa”. e no Porto.
Em 1986, pinta “Portel”, considerada a sua obra mais importante, que José-Augusto França elegeria como um dos seus “100 Quadros Portugueses do Século XX” (Quetzal, 2001), considerando que “este quadro atinge um carácter icónico, matriz última de uma pintura urbana” e que se “impõe como realidade plástica autónoma”.
Encomendas do cartaz do Festival Internacional de Música do Algarve e também de retratos para as Galerias de Reitores de várias universidades.
Em 1987, o selo da sua autoria (”Quiosque Tivoli”) ganha, na World Government Stamp Printers Conference, em Washington, o prémio mundial para o melhor selo. Nova emissão de selos para os CTT (”Faróis da Costa Portuguesa”).
Exposição individual na Fundação Gulbenkian, Paris.
Edição do livro “29 Janelas de Maluda” (Edições António Homem Cardoso), com texto de José-Augusto França. 1988
É editado o terceiro álbum sobre a obra de Maluda (Edições Bial) e feito o seu lançamento no Grémio Literário com apresentação de José-Augusto França.
Execução do selo “Évora Património Mundial” que, no ano seguinte, recebe em Périgaud (França) o prémio mundial para o melhor selo.
Colectiva de pintura “Artejo 88″ no Mosteiro dos Jerónimos e “80 anos de Arte Moderna” na Galeira da São Bento.
Em 1994, recebe o prestigiado prémio de artes plásticas Bordalo Pinheiro, atribuído pela Casa da Imprensa.
No âmbito da “Lisboa Capital da Cultura”, realiza uma grande exposição individual no Centro Cultural de Belém em Lisboa, inaugurada pelo Primeiro-Ministro, Cavaco Silva.
Em 1996, é editado o livro “Um Outro Olhar Sobre Portugal”, com reproduções da sua obra, texto de Agustina Bessa-Luís e fotografias de Pierre Rossolin (Ed. Asa).
Em 1998, é agraciada pelo Presidente da República Jorge Sampaio com a Ordem do Infante D. Henrique.
É Inaugurada a sua derradeira exposição “Os selos de Maluda”, patrocinada pela Administração dos CTT.
Maluda morre em Lisboa aos 64 anos a 10 de3 Fevereiro de 1999.
Excertos de textos in: Internet
PARA UMA PINTORA
( Prosa de Helena Monteiro - no dia em Maluda faleceu)
Na geometria dos teus telhados
Na simetria da tua paisagem
Na luminosidade dos teus quiosques
Na serenidade das tuas janelas
Encontraste a força intelectual
A sabedoria exponencial
A beleza espiritual
De pintar Lisboa
De pintar Portugal.
CANTIGAS DE LISBOA
As cantigas que se fazem a Lisboa são declarações apaixonadas de amor. O poeta personifica na Capital a sua Dama e rasga-lhe um sem número de galanteios e piropos.
O poeta o cantor vê sempre na sua cidade amada, a mais colorida do Mundo, e é nesta cor local que joga as suas rimas e estribilhos ...Lisboa Princesa, Lisboa coroada Rainha, Lisboa menina, Lisboa mãe, avó Lisboa, madrinha Lisboa. Lisboa amada, Lisboa dos meus amores, Lisboa do meu coração, etc...
As cantigas de Lisboa têm todo o encanto nas declarações de amor que recebe dos poetas seus enamorados, Lisboa fica vaidosa porque sabe que é bela, não pela opulência mas sim pela sua alegria e graça natural.
È bem Lisboa a mais cantada e a mais amada Cidade do Mundo.
Vítor Duarte Marceneiro
Canta: Bairros de Lisboa
Letra de Carlos Conde e música de Alfredo Marceneiro (Fados Pajem)