— Mais do que um fadista, Alfredo Marceneiro é a carne e o sangue, o coração e a alma do Fado. O próprio Fado. Aquela voz estranha, semi-rouca, cava, — que não é dado a todos, sentir nem compreender... — dá-nos todas as gamas de sensações imagináveis, traduz todos os estados de alma. Acaricia e arranha. Dulcifica e amarga. Fere e cura. Às vezes parece suave como ondas filigranadas aflorando na areia. Outras, áspera com vagalhões insubmissos corroendo graníticos rochedos. Tão depressa parece murmura blandícias como, logo, dolorida e corrosiva, nos aniquila na expressão viva, funda e profunda dos desesperos humanos. É tempestade a rugir e brisa a refrescar. Epopeia de vencido e amargura de triunfador. Por isso, o Alfredo — é grande...
As viagens encetados pelos portugueses no século XVI, é um paradigma do destino de um povo que partiu durante séculos à procura do desconhecido, que nos criou um modo colectivo de ser e estar no mundo. É um gene da identidade portuguesa.
Naquelas horas da partida para a imensidão gigantesca dos mares, fizeram brotar lágrimas de todas as mães, de todos os pais, de todos os filhos, de todas as esposas, as noivas, os parentes e amigos, que ao dizerem adeus com soluços nos corações, na praia de Belém, que foi apelidada por isso mesmo de “Praia das Lágrimas” confrontavam-se com a descoberta da amargura da ausência.
Foi uma vivência que moldou as almas, era um povo aflito que via partir as naus com as suas gentes, sabe-se lá para onde iam, para o outro mundo ?
Ó Mar salgado, quanto do teu sal
são lágrimas de Portugal !
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos, em vão, choraram!
Quantas noivas ficaram por casar,
Para que fosses nosso, ó Mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem de passar além da dor.
Deu ao Mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o Céu
Poema de: Fernando Pessoa
É vida , é destino, é Fado, é a alma do nosso povo.
Em tão longo caminho e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam,
As mulheres com choro piadoso ,
Os homens com suspiros que arrancavam;
Mães, esposas, irmãs, que o temerosos
Amor mais desconfia, acrescentavam.
A desesperação e frio medo
De já não nos tornar a ver tão cedo
Camões, Os Lusíadas, canto IV, 89)
Esta mentalidade, criada de uma vivência bivalente, amargurada por um lado, alegre por outro, isto porque o ritual da partida o medo a tristeza, o espectro da morte, se misturaram com a esperança, o sonho e quanto era maravilhoso estar vivo no regresso, tais sentimentos moldaram a consciência que se cristalizou na música e no canto, com uma tonalidade própria, inconfundível e original como é a sua matriz..
O Fado é português, é toda uma mentalidade, é toda uma História, se o povo português é o único que canta o Fado, é porque também foi protagonista de uma vivência que mais nenhum povo teve.
Nasceu em Lisboa, na Rua do Capelão, no Bairro da Mouraria a 21 de Novembro de 1933. Faleceu em Lisboa, a 13 de Julho de 2003 Voz genuína, espírito livre e homem arreigado nas sua raízes de lisboeta, foi também um
grande intérprete do Fado. A sua autenticidade, o seu apego a uma forma popular de estar e sentir a vida da cidade, o seu enorme talento fizeram dele um fadista admirado e principalmente o orgulho, do seu bairro «A Mouraria».
Como profissional actuou em diversas casas típicas, Café Luso, Adega Machado, Adega
Mesquita, O Faia, Nau Catrineta etc. Em Junho de 1989, com a presença de Amália Rodrigues, são descerradas duas lápides evocando a sua figura e a de A Severa. A 31 de Outubro de 1994 a CML, organiza no S.Luiz a sua festa das "Bodas de Ouro Artísticas" Em 12 Maio de 2001, foi agraciado pelo Presidente da República, com a Comenda da Ordem de Mérito. Foi ainda agraciado com a Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa.