2017-10
Lisboa e as Fadistas (Edição discográfica da Tradisom/José Moças)
Lisboa… é cantada, Lisboa… é pintada.
É estudada, comentada, vivida e sentida por todos, eruditos ou não, que, afinal, se unem numa só causa: adorá-la, escutá-la e vê-la cintilar por todo o Mundo.
Nos poemas sobre Lisboa, transparece o propósito de apresentar uma crónica intensa e profundamente sentida, desdobrando-se e enredando-se nela o autor, por vezes em versos despretensiosos, ditos de “pé-quebrado”, mas nunca desrespeitando o rigor documental da história, num turbilhão de rimas e acidentados ritmos.
As cantigas que se fazem a Lisboa são declarações apaixonadas de amor. Os poetas personificam, na capital, a sua dama e rasgam-lhe um sem-número de galanteios e piropos, vendo sempre, na sua cidade amada, a mais cantada e colorida do Mundo. E é nesta cor local que jogam as suas rimas e seus estribilhos... Lisboa Princesa, Lisboa coroada Rainha, Lisboa “menina e moça”, Lisboa mãe, avó Lisboa, madrinha Lisboa, Lisboa amada, Lisboa dos meus amores, Lisboa do meu coração, Lisboa vai!, etc., etc.
Nas declarações de amor que recebe dos poetas seus enamorados, Lisboa tem todo o encanto e fica vaidosa, porque sabe que é bonita, não pela opulência, mas, sim, pela sua alegria e graça natural. Hoje é consensual que a nossa Lisboa é a mais cantada e a mais amada cidade do mundo. É a cidade das mil e uma cantigas.
Não se conhecem dados, de fonte fidedigna, que nos permitam saber qual terá sido o primeiro Fado dedicado a Lisboa, sabe-se, sim, que esta relação é antiga e terá começado no início do século XIX. Embora se trate inquestionavelmente de uma expressão de música popular urbana nas suas raízes, o tema principal do Fado não é apenas a cidade, destacando-se também a vida, a tragédia e o amor, ou seja, no fundo, a essência do chamado “estado de alma do fadista”.
Assim, o Fado tradicional tem como uma das suas regras básicas contar uma história, seja ela de amor, de tragédia ou de outro mote qualquer, mas é a saudade, que os portugueses orgulhosamente reivindicam como um sentimento enraizado nas suas almas, que ocupa o lugar central: a saudade, na partida para o mar, dos pescadores, dos marinheiros, dos que emigram. Todo o português afirma, ao partir, que leva no coração a saudade da pátria, da família e dos amigos… a saudade é destino, é signo de português, é o nosso Fado.
Lisboa e os seus bairros, as suas sete colinas, os lugares pitorescos, o rio Tejo que a envolve são cantados em muitos géneros musicais, mas o Fado é, sem dúvida, maioritário, seguindo-se as marchas populares, que saíram à rua a partir de 1932. Em cada ano, escrevem-se centenas de poemas sobre Lisboa, sempre lindos e diversos, que versam o mesmo tema, mas nunca se repetem. Este acervo iconográfico à cidade “musa inspiradora” não impõe limites à imaginação e criatividade dos poetas/letristas, tal é a sua beleza, e, curiosamente, muitos destes temas que são compostos para os concursos das marchas preenchem a métrica para Fado, passando a serem cantados nas músicas dos Fados tradicionais.
De igual modo, o Teatro de Revista produziu muitos temas que passaram a ser elevados a fados clássicos. De facto, este tipo de teatro, também chamado “revista à portuguesa”, muito centrada em Lisboa, contribuiu bastante com o chamado “Fado revisteiro” para a notoriedade, no início do século XX, de muitas mulheres fadistas. Muito embora tenha sido, muitas vezes, considerado como um “subgénero do Fado”, ele foi, sem sombra de dúvidas, um grande contributo para a divulgação do Fado e da mulher fadista.
Ícone desta mulher é a Maria Severa (1820-1846), figura mítica de Lisboa, considerada a fundadora do Fado e heroína de um romance de Júlio Dantas. Foi com base nesta figura de Lisboa, que a mulher fadista mais se afirmou, sobretudo quando esta obra foi transposta para o teatro, em 1901, e que, tal como aconteceu com o romance, obteve estrondoso sucesso. Posteriormente, a Maria Severa continuou a ser motivo de inspiração. Em 1909, surgiu mais um êxito, uma “Opereta”, adaptada por André Brun e musicada pelo maestro Filipe Duarte, e na década dos anos 30, o Fado e as fadistas tiveram novo motivo de orgulho, desta vez através da Sétima Arte, o cinema. O primeiro filme sonoro português foi uma nova adaptação de “A Severa” de Júlio Dantas, feita pelo realizador Leitão de Barros. Neste filme, Dina Teresa cantava o «Fado da Severa» (também conhecido como «Rua do Capelão»), incluído na presente compilação.
O Fado é cantado pelas fadistas de Lisboa, de vestido preto com um xaile aos ombros, num ambiente de silêncio e respeito à média luz, ao som do trinar de uma guitarra.
E agora, caro/a leitor/a,… silêncio, que se vai cantar o Fado!
© Vitor Duarte Marceneiro/Tradisom
Vítor Duarte Marceneiro
Canta: Bairros de Lisboa
Letra de Carlos Conde e música de Alfredo Marceneiro (Fados Pajem)