José Maria Viana Dionísio nasceu em Lisboa, a 6 de Dezembro 1922.
Após a instrução primária, frequentou a Escola Industrial Machado de Castro mas não chegou a acabar nenhum curso.
Desde muito jovem que demonstrou aptidão e jeito para desenhar , aos 13 anos, já desenhava para o «Jornal O Senhor Doutor», o suplemento de «O Século», «Pim Pam Pum» e a fazer capas para o «O Papagaio».
O primeiro emprego foi como retocador de gravura, na Casa Bertrand & Irmãos.
Também desde muito cedo se sente atraído pela música do swing e do jazz, passa também a cantar integrado em conjuntos musicais que animam nas colectividades populares de cultura e recreio, posteriormente canta em recintos nocturnos, mas como segunda ocupação.
Continua a sua profissão de desenhador, até que é convidado como publicista de cinema, para a Sonoro Filmes.
De espírito criativo e ávido de inovações, passa a frequentar a Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, colaborando na pintura de cenários, na época em que por lá estavam o Jacinto Ramos, Varela Silva, Raúl Solnado, etc.
Estreia-se como actor amador, em obras de Gil Vicente, Alves Redol, e outros.
Estreia-se na RTP com o programa «Riscos e Gatafunhos» e depois «Melodias de Sempre», programas que lhe dão grande notoriedade.
Esteve no Teatro de Gerifalto, e também Teatro ABC (Vinho Novo), pela mão do empresário José Miguel .
Estreia-se como autor, ao lado de Nelson Barros em 1959 na revista «Mulheres à Vista», e destaca-se na rábula «Inimigo de Lisboa». Em 1963, encena pela primeira vez uma revista, «Elas São o Espectáculo», seguindo-se outro sucesso com «Embaixador do Fado».
Nas andanças do teatro de revista, conhece uma actriz brasileira Jújú Batista, que lhe dá uma filha, a Maria.
Passados alguns anos José Viana conhece Dora Leal, com quem contracena e passa a ser sua companheira de que resultam duas filhas (a Maria Raquel e a Madalena Leal).
Em meados da década de 60, José Viana atinge o auge da sua carreira, na Empresa de Guiseppe Bastos e Vasco Morgado, então no Maria Vitória.
O «Zé Cacilheiro» surge em 1966, em «Zero, Zero, Zero - Ordem para Matar» que teve um êxito estrondoso, o tema foi gravado em disco e muito solicitado nas rádios de então.
Outras rábulas merecem destaque como «Carlos dos Jornais» e «Catedrático do Fado em Grande Poeta é o Zé», 1968; «O Zé Povinho vai ao Médico»; em «Mãos à Obra», 1969; «Sinaleiro de Liberdade», em «Esperteza Saloia»; 1969; «Chefe de Cozinha do Hotel Portugal», em «Pimenta na Língua», 1970; «O Zé Povinho no Frente a Frente da TV em Cala-te Boca!», em 1971 ou «Miss Chalada,» em «Ora Bolas para o Pagode», em 1972.
José Viana e Dora Leal após os acontecimento pós-25 de Abril de 1974, (José Viana referenciado com o PCP), voltam ao Parque Mayer, em Festa no Parque, corria o ano de 1987, mas sem grande aceitação popular.
No cinema, José Viana teve algumas participações, em pequenos papéis como em O «Cerro dos Enforcados», de Fernando Garcia (1953) e «Perdeu-se um Marido», de Henrique Campos (1956) mas foi em «O Recado» (1972), de José Fonseca e Costa, a «A Fuga» (1976), de Luís Filipe Rocha, «A Ilha» (1990), de Joaquim Leitão, e «O Fim do Mundo» (1992), de João Mário Grilo, que o seu talento é mais reconhecido.
Faleceu em Lisboa no dia 8 de Janeiro de 2003
©Vitor Duarte Marceneiro
José Viana canta: Zé Cacilheiro
ZÉ CACILHEIRO
Autores: César de Oliveira
Paulo da Fonseca/Carlos Dias
Quando eu era rapazote
Levei comigo no bote
Uma varina atrevida
Manobrei e gostei dela
E lá me atraquei a ela
P’ró resto da minha vida
Às vezes uma pessoa
A saudade não perdoa
Faz bater o coração
Mas tenho grande vaidade
Em viver a mocidade
Dentro desta geração
Refrão
Sou marinheiro
Deste velho cacilheiro
Dedicado companheiro
Pequeno berço do povo
E navegando
A idade foi chegando
O cabelo branqueando
Mas o Tejo é sempre novo
Todos moram numa rua
A que chamam sempre sua
Mas eu cá não os invejo
O meu bairro é sobre as águas
Que cantam as sua mágoas
E a minha rua é o Tejo
Certa noite de luar
Vinha eu a navegar
E de pé, junto da proa
Eu vi, ou então sonhei
Que os braços do Cristo-Rei
Estavam a abraçar Lisboa
Refrão
Nasceu no bairro de Alcântara a 10 de Outubro de 1907, e faleceu em Novembro de 1969.
Desde muito novo corria os locais onde houvesse Fado sempre acompanhado pela sua guitarra, para alinhar na fadistice .
Torna-se profissional em 1944 pela mão de Filipe Pinto e estreia no Café Luso com uma letra do repertório de Alfredo Marceneiro, "Senhora do Monte" com música deste, e letra de Gabriel de Oliveira, foi decerto este fado que logo no inicio mais contribui para a sua popularidade, e lhe deu mais nome, o próprio criador do tema, Alfredo Marceneiro o aplaudiu nessa exibição sem qualquer rivalidades, eram dois bons amigos.
Carlos Ramos, não prescindindo dos acompanhadores habituais acompanhava-se sempre tocando a sua guitarra.
Foi como guitarrista muito solicitado no Teatro de Revista. Trabalhou na Tipóia e na Tágide.
Carlos Ramos, era um homem afável, de espírito aberto e gentil, teve e tem grandes admiradores, criou um estilo muito próprio que fez escola, tem muitos seguidores do seu vasto repertório e do seu estilo, tinha uma voz doce, atraente e sedutora, exprimindo ao cantar tal sentimento, que tudo aquilo que dizia era Fado.
Foi proprietário de um restaurante típico no Bairro Alto a que deu o nome de: A TOCA DE CARLOS RAMOS., que foi frequentada por toda as gentes do Fado quer artistas, quer clientes, destaca-se dos seus contratados, Alfredo Marceneiro, de quem era grande amigo, Maria do Espírito Santo e muitos outros fadistas de nomeada.
Relembremos alguns dos seus êxitos: Não Venhas Tarde. Aquela Feia, Café de Camareiras, Chinelas da Mouraria, O amor é louco, Lisboa é Sempre Lisboa, Biografia do Fado, Anda o Fado noutra Bocas, Tempos Antigos, etc .
Compôs uma música para um fado a que deu o título "Fado Olga"
Tem bem um lugar na História do Fado de dos fadistas.
Vítima de uma trombose ocorrida nos meados dos anos sessenta, terminando assim a sua carreira artística, nessa altura vivia só, esteve a viver em casa de meu pai e da sua companheira de então, que o trataram e acarinharam como se de um familiar se tratasse.
Carlos Ramos faleu em Lisboa em 1969.
©Vitor Duarte Marceneiro
Carlos Ramos com Fernanda Maria e Mariana Silva Com Alfredo Marceneiro
Carlos Ramos
Canta: Biografia do Fado
Letra e música de Frederico de Brito
Fernando Farinha (Vulgo Miúdo da Bica)
Fernando Tavares Farinha, nasceu no Barreiro no dia 20 de Dezembro de 1928, mas só foi registado a 5 de Maio de 1929.
Em 1933 seus pais vêm par Lisboa e fixam-se no Bairro da Bica, tinha então 4 anos.
Sendo o Bairro da Bica essencialmente bairrista e fadista decerto o fado logo o marcou e fez vir ao cimo todos os seu dotes de artista.
Aos 7 anos já cantava e entrou em vários concursos infantis, teve tanto êxito que passou a ser chamado de “Miúdo da Bica”, por esta altura foi convidado para mascote da Marcha da Bica (1935).
Aos catorze anos actua no Café Luso, Café Latino, Retiro da Severa, Café Mondego, e Solar da Alegria.
1940 Grava o seu primeiro disco EP com quatro temas: Descrença, Meu Destino, Tem Juízo Rapaz e Sempre Linda,. Acabaria por gravar durante a sua vida quase 50 discos, ainda neste ano foi presença assídua nos serões para trabalhadores organizados pela FNAT.
1942 - Estreia como atracção no Teatro na revista “Boa Vai Ela”, em que também entrava Hermínia Silva, mais tarde nos anos sessenta ainda é atracção na revista “Sal e Pimenta”
1951 - Tem a sua primeira deslocação ao estrangeiro indo ao Brasil onde teve grande aceitação.
Ainda em 1951 é contratado pela Adega Mesquita onde se mantém durante dez anos.
È por esta altura que sente a vocação para escrever, e começa a cantar letras feitas por si:
Dos seus poemas decerto o que mais êxito teve foi “ Belos Tempos” na música do fado “Loucura” de Júlio de Sousa, mas Fernando Farinha tem muitos êxitos de outros autores dos quais destaco:
Mais tarde sempre inspirado começa também a compor, e a sua arte não fica por aqui começa, também a caricaturar as figuras com quem convive.
1955 - Comemora as suas “Bodas de Prata” de carreira artística no Coliseu dos Recreios em Lisboa e é premiado com a Guitarra de Prata.
1957 - A Rádio Peninsular atribui-lhe o galardão de a “Voz mais portuguesa de Portugal”
Protagoniza dois filmes “ O Miúdo da Bica” e “ A Última Pega”
Ente finais dos anos 60 em diante faz digressões artísticas por todo o mundos, Bélgica, França, Inglaterra, Alemanha, África do Sul, Argentina e E.U.A..
Depois de 1974 faz parte do projecto “Cantar Abril”. A sua frontalidade ao assumir-se como um homem politicamente de esquerda, criou-lhe algumas inimizades, mas uma coisa é certa, Fernando Farinha tem um lugar na História do nosso Fado.
Em 1982, Manuel DaGraça, seu amigo e empresário e proprietário da "Graça Records Company", produz um LP " Fernando Farinha - hoje e aqui - grande como sempre - UM FADINHO Á JUVENTUDE", o qual foi o seu último trabalho em disco, tendo gravado doze temas. Apraz-me destacar o poema dedicado a Alfredo Marceneiro, logo após a sua morte, em que se sente nas palavras que escreve, um grito de saudade/tristeza/revolta, de admiração e amizade, que ele nutria por aquele que foi o "Patriarca do Fado", e seu amigo.
Um Fado a Marceneiro
Letra de Fernando Farinha
À solta e desvairada, a morte certo dia
Entrou no velho pátio e ali quase em segredo
Num golpe traiçoeiro de raiva e cobardia
Maldosa nos levou p'ra sempre o Tio Alfredo
Ao chorar das guitarras, como se fosse um hino
Juntou-se a voz do povo, de Portugal inteiro
Tinha morrido o rei, fadista genuíno
O mais de todos nós, o grande Marceneiro
Sua garganta rouca, tinha o condão o bem
De nos dar fado a sério, sem ais, sem fantasia
Se o fado p'ra ser fado, algum segredo tem
Então esse segredo só ele o conhecia
Sempre que a noite chega, eu julgo ainda vê-lo
Fazendo a sua ronda p'los retiros do fado
De boné, ou mostrando o seu farto cabelo
E o seu lenço varino ao pescoço ajustado
Recordo as suas birras, e em grande cavaqueira
Seus gritos graciosos, se bem disposto estava
Oiço até o seu riso no Cacau da Ribeira
Onde, já madrugada, sua ronda findava
De Alfredo Marceneiro eu guardo um disco antigo
E um retrato dos dois sobre um fundo bairrista
Um fado ao desafio que ele cantou comigo
E uma eterna saudade desse enorme fadista
Fernando Farinha deixou-nos em 12 de Fevereiro de 1988.
Além da Rua que edilidade lhe atribuiu há pouco tempo, e de uma placa que o povo da Bica tem afixada numa parede do bairro, desconheço que lhe tenham sido prestadas mais homenagens (politiquices!?)
Por: Silva Tavares
Sinos de Lisboa!
Vozes de piedade!...
Como todos nós, nesta transitória vida
que, mal soa se apaga - em verdade,
cada um de vós tem a sua história.
São Domingos, Madre Deus, São Lourenço
— todos, rua em rua!...
Vibrai!... Que vos dá do cão que vos ladre,
com a falta de senso com que ladra à lua?..
Vibrai... Deixai lá!
Nos sinos de São Vicente de Fora,
a glória prevista por Afonso - ecoa.!
— Voz da Fundação, atesta e memora
a dura conquista da nobre Lisboa.
Nos sinos plangentes da Conceição Velha,
sente-se o registo que em bronze proclama,
de entre cinzas quentes, a extinta centelha
dos freires de Cristo e os fastos de Alfama!
E os sinos da Sé? Que forte rebate!...
Bem surdos sereis se os não distinguis,
divulgando a Fé, chamando ao combate,
proclamando reis — sonoros, febris!
Longe, vagamente, dou p 'los de Belém,
como quando as velas demandavam Goa!
Como quando a gente de prole e de bem,
ficava por elas rezando, em Lisboa!
E oiço os de São Roque, na eterna velada
de um áureo passado!
Oiço-os e pressinto seu alegre toque,
saudando a chegada do coche doirado de Dom João V.
Mais triste de ouvir é o vosso dobrar,
sinos da Memória! Soa a vendaval!...
Teima em repetir, com voz de assustar,
a trágica história Távoras-Pombal!...
Os sinos da Graça
— que evocam o vulto de Albuquerque
— dão lampejos escassos do fervor da Raça,
no seu velho culto pela procissão do Senhor dos Passos.
E ali nos da ermida da Saúde, à -Guia,
passa — cm voz quente de sinceridade
não sei que outra vida de outra Mouraria,
da qual inda há gente que sente saudade!
Mas hoje — mal fora
só estar memorando! não são menos belas
as vozes dos sinos de Nossa Senhora de Fátima,
quando pairam sobre as velas votivas e os hinos!
Se não envelhece dos outros a voz,
na destes, tão nova, por que não havia
de ir a viva prece, que é de todos nós,
numa clara prova da Fé de hoje em dia ?
Porque não havia de ir, no sobressalto
trémulo de um sino, pousar, sem labéu,
aos pés de Maria? E vai ! Vai, tão alto,
que o nosso destino se grava no Céu!
Poema AMAR
Canta e é autora da música
Teresa Silva Carvalho
Carta de Florbela Espanca a uma amiga
Vila Viçosa, Setembro 1916
JÚLIA
Agora, quero contar-te uma coisa que me enterneceu deveras, uma noite destas.
O luar caía límpido e claro como água, jorrando duma fonte perdida no infinito ...
Eram 24 horas ... eu sonhava! ... Nisto, uma voz ergueu-se, uma voz acariciadora, pungente na toada pungentíssima do fado tão querido à alma portuguesa, sabes o quê, minha Júlia? Essas minhas despretensiosas quadras que o Suplemento publicou, tão" pobres, tão ingénuas, tão sentidas, que o povo humilde as acolheu e as canta! como diz o nosso suave Augusto Gil. Até hoje nem um único elogio me comoveu assim.
Tenho-os ouvido vibrantes e enternecidos, lisonjeiros sempre, mas quase sempre amigos, e nunca, nunca como este tiveram o dom de me arrasar os olhos de águas.
Ficaram, desde esta noite profunda de luar) as minhas pobres quadras) sagradas para mim. Cantou-as a boca do povo, beijou-as a boca do povo, e é como se toda a alma rústica e humilde do meu Portugal beijasse com infinito amor a minha, nesses humildes versos, tão pobres… tão ingénuos ... tão sentidos!
Beija-te a tua
Florbela Espanca.
O FADO de Florbela Espanca
Corre a noite de manso, num murmúrio,
Abre a rosa bendita do luar,
Soluçam ais estranhos de guitarra,
Um gemido de amor anda no ar.
Há um repouso imenso em toda a terra,
Parece a própria noite a escutar
E o canto continua mais profundo
Que página sentida de Mozart!
E' o fado. A canção das violetas
Que foram almas tristes de poetas
P'ra quem a vida foi uma desgraça!
Minha doce canção dos deserdados,
Meu fado que alivias desgraçados
Bendita sejas tu, cheia de graça.
Dom Vicente Maria do Carmo de Noronha da Câmara, conhecido artisticamente por Vicente da Câmara, nasceu a 7 de Maio de 1928, em Lisboa na freguesia de Santa Catarina. Faleceu em Lisboa aos 88 anos no dia 28 de Maio de 2016.
É Bisneto do dramaturgo, poeta e jornalista D. João da Câmara, que se distinguiu desde novo pelo seu estilo pessoal (Fado das Caldas), que ninguém conseguiu até hoje imitar.
Vicente da Câmara estreou-se em público em 1948, com 20 anos na Emissora Nacional.
Acompanhando-se à guitarra, Vicente da Câmara mantém a tradição do fidalgo fadista, fiel ao fado castiço, não dispensando os outros acompanhadores.
Gravou vários discos com um repertório muito próprio para o seu estilo de cantar.
Vicente da Câmara cantou em festas e espectáculos por todo o País (incluindo Açores e Madeira), em Angola, Moçambique, África do Sul, França, Alemanha.
Actuou no S. Luís na Festa de Homenagem a Alfredo Marceneiro em 1963.
Em 1983/1984, em Hong-Kong, China Continental e Macau, território aonde voltaria outras vezes, a última delas em 1990.
Tem um filho que lhe segue as pisadas no Fado, o José da Câmara e outros seus descendentes também cantam.
Teve um enorme êxito com o Fado das Caldas, mas dos seus fados mais conhecidos, com letra da sua autoria é decerto:
A MODA DAS TRANÇAS PRETAS
Como era linda com seu ar namoradeiro,
Até lhe chamavam menina das tranças pretas.
Pelo Chiado caminhava o dia inteiro
Apregoando raminhos de violetas.
E as raparigas de alta-roda que passavam
Ficavam tristes a pensar no seu cabelo.
Quando ela olhava, com vergonha disfarçavam,
E pouco a pouco todas deixaram crescê-lo.
Passaram dias e as meninas do Chiado
Usavam tranças enfeitadas com violetas.
Todas gostavam do seu novo penteado
E assim nasceu a moda das tranças pretas.
Da violeteira já ninguém hoje tem esperanças.
Deixou saudades, foi-se embora, e à tardinha
Está o Chiado carregado de mil tranças,
Mas tranças pretas, ninguém tem como ela tinha.
Ser Mais Um Entre Tantos
Letra de: Artur Ribeiro
Música de: Alfredo Marceneiro
Ser mais um entre tantos
Não é Mundo que baste
Seguir religiões
Das quais não sou devoto
Obedecer a quantos
Me dizem que me afaste
Ouvir lamentações
A fingir que me importo
Ser vela deste mar
Onde não sopram ventos
Ser grito de rua
Que ninguém entendeu
Um sonho de cantar
Onde só há lamentos
Essa verdade nua
Que ninguém entendeu
Ser deste Mundo incrível
De gente introvertida
Que deixa pregar Santos
Onde tudo é vendido
P´ra ficar impassível
De cabeça caída
P´ra ser mais um entre tantos
Antes não ter nascido
ESTE POEMA, A MINHA GRAVAÇÃO EM DISCO E A CENSURA
Até finais dos anos cinquenta os artista tinham que ter um “Dossier” com o seu repertório aprovado pela censura, funcionava da seguinte forma, esse dossier estava sempre na posse do artista quando cantava em casa de fado ou noutros espectáculos públicos.
Algumas censuras eram tão estúpidas que veja que até que a Casa da Mariquinhas foi censurada.
Com já afirmei tive o privilégio de conhecer e ser admirador desde muito miúdo de Artur Ribeiro, na altura em que a minha formação de cidadão consciente da sociedade em que vive começa a "querer respostas",tive muitas conversa com Artur Ribeiro, sei que de letras dele que nem sequer chegou a registar, pois sabia que não passavam na censura.
No inicio dos anos setenta deixa de haver a censura prévia, mas continua haver a repressão após a Gravação (ou seja, já depois de editado e muitas vezes já à venda ao público), podia haver um senhor (da DGS ou mesmo da EN) que por alguma razão achava que o que estava a ouvir era contra os valores instituídos, e a DGS mandava retirar todo o material do mercado.
Artur Ribeiro em 1973 faz-me um poema que afirmou ser a forma como me via pelas conversas e discussões que tinha com ele, e gravei esse número para Valentim de Carvalho, tinha o título: "Ser mais um entre tantos" , acontece, que passado pouco tempo do seu lançamento fui gentilmente convidado pelo Sr. Inspector Dr. Rosa Casaco (1), para ter uma conversa comigo sobre esse tema ( que considerava ser contrário á ordem vigente).
No caso do poema do Artur Ribeiro. o que incomodava os Censores era esta frase, "Seguir religiões das quais não sou devoto..." e "Ser deste Mundo incrível, que deixa pregar Santos", enfim como podem verificar estes versos estavam dentro do contexto de todo o poema. Com algum charme e persuasão consegui demo-vê-los da retirada do disco., mas acabou por ser proibido de ser passado na Rádio Renascença e na Emissora Nacional.
(1): Rosa Casaco, (Amador de fotografia e conhecedor da poda) era cliente assíduo da Foto-Cine, no Chiado junto ao elevador de Stª Justa, onde eu pela minha paixão pela fotografia lá estava assiduamente pois o Amadeu Ferrari, os filhos Vítor Ferrari e Nuno Ferrari eram amigos do meu avô e eu era considerado como de família, lá fui apresentado como neto de Alfredo Marceneiro ao PIDE Dr. Rosa Casaco, que me confidenciou que era admirador de meu avô, mas que não gostava de alguns dos Fados que ele cantava, e sempre que me encontrava me cumprimentava com cerimónia ) facto porque esta chamada de atenção foi mais em termos de aviso … Cuidado não se exceda) aliás mais tarde também fui chamado quando gravei com meu avô em dueto “ O Camponês e o Pescador” ver em:
https://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/victor-duarte-discos-e-censura-330996
https://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/recordar-o-passado-para-viver-o-futuro-102684
©Vitor Duarte Marceneiro