EU AINDA QUERO SONHAR COM UM PAÍS DEMOCRÁTICO E PLURALISTA
Martin Luther King, foi assassinado vai há mais de 50 anos, por ter tido a ousadia de SONHAR e LUTAR
contra uma sociedade racista e intolerante, tiraram-lhe a vida, mas a sua mensagem perdura.
MESMO QUE ISSO LHE CUSTE A VIDA , SEMPRE QUE UM HOMEM SONHA, O MUNDO PULA E AVANÇA2019-10-30
https://www.youtube.com/watch?v=piXnVh0LfNg
Manuel Freire canta:
Pedra Filosofal
Poema de António Gedeão
Música de Manuel Freire
PEDRA FILOSOFAL
Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
Tão concreta e definida
Como outra coisa qualquer
Como esta pedra cinzenta
Em que me sento e descanso
Como este ribeiro manso
Em serenos sobressaltos
Como estes pinheiros altos
Em que verde e oiro se agitam
Como estas aves que gritam
Em bebedeiras de azul
Eles não sabem que o sonho
É vinho, é espuma, é fermento
Bichinho alacre e sedento
De focinho pontiagudo
Num perpétuo movimento
Eles não sabem que o sonho
É tela, é cor, é pincel
Base, fuste ou capitel
Arco em ogiva, vitral
Pináculo de catedral
Contraponto, sinfonia
Máscara grega, magia
Que é retorta de alquimista
Mapa do mundo distante
Rosa-dos-ventos, Infante
Caravela quinhentista
Que é Cabo da Boa Esperança
Ouro, canela, marfim
Florete de espadachim
Bastidor, passo de dança
Columbina e Arlequim
Passarola voadora
Pára-raios, locomotiva
Barco de proa festiva
Alto-forno, geradora
Cisão do átomo, radar
Ultra-som, televisão
Desembarque em foguetão
Na superfície lunar
Eles não sabem nem sonham
Que o sonho comanda a vida
Que sempre que um homem sonha
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos de uma criança
FADO é sorte, desde o berço até à morte
ninguém foge por mais sorte
ao destino que Deus quis.....
(Silva Tavares)
Eu com o meu falecido filho Alfredo Rodrigo Duarte
Que Deus me o levou em Setembro de 1995
Saúdo todos os pais do mundo, hoje é um dia de alegria, mas para muitos pais, o coração chora e sorri, chora quem tem a dor de ter perdido um filho, e sorri, qquem têm a bênção de ter outros, que neste dia lhe darão uma lembrança, que por mais simples que seja, nos enche de felicidade e orgulho.
Tive um filho
Deus levou-mo
Fez-me guerra
Pôs uma estrela no céu
E uma saudade na terra
(Carlos Conde)
Este é um dia em que recordo com saudade, e lágrimas nos olhos, o meu pai, o pai do meu pai, e o meu filho, que Deus me levou... Três Alfredos da minha vida... do meu Fado...
Mas Deus que tudo destina... tirou-me com uma mão... mas deu-me com a outra.... deu-me outro Alfredo e uma Beatriz... mas no meu coração está sempre um lugar guardado, com a recordação daquele, que em vez de me ver partir...partiu.
Mas mais logo, terei a alegria dos meus dois filhinhos, o Alfredo e a Beatriz, me trazerem a sua prendinha, será decerto aquele cartãozinho com pinturas que as suas infantis fantasias idealizam, mas que têm sempre escrita, a frase sentida e sincera, como só as crianças sentem... És o melhor pai do mundo!!, tal como no passado tive, e que guardo com muito amor.
Os meus filhos Alfredo e Beatriz
Alfredo Rodrigo Duarte II ( 1971- 1995 )
Os meus saudosos e chorados Alfredo´s
Alfredo Figueiredo Duarte (1924 - 1999)
Alfredo Rodrigo Duare I (1891 - 1982
Alfredo Rodigo Duarte II (1971- 1995)
MANUEL DIAS canta uma criação de Maria Emília Ferreira
AMOR DE PAI
Letra de: Armando Neves
Música de: Franklim Godinho
E DEUS LHE DEU A GRAÇA E A ALEGRIA, DE TER MORRIDO NA SUA FREGUESIA, COMO UM SOLDADO MORRE NO SEU POSTO
Alfredo Marceneiro faleceu na sua casa pelas sete horas da manhã do dia 26 de Junho de 1982, contava 91 anos. (*)
Nasceu em 29 de Fevereiro de 1888, mas só foi registado em 25 de Fevereiro de 1891
O seu corpo esteve em câmara ardente, na Igreja de Santa Isabel, sendo apostas na urna a Bandeira Nacional e a bandeira da cidade de Lisboa por iniciativa do, então, Presidente da edilidade Engº Krus Abecassis e ainda uma guarda de honra permanente prestada pelos Soldados da Paz do Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa.
O Padre designado para fazer as exéquias do funeral de Alfredo Marceneiro desconhecia de todo a sua obra, mas impressionado com os milhares de pessoas presentes no velório, quis esclarecer-se sobre a sua figura. Levou a noite a escutar o José Pracana e este tão eloquentemente lhe falou do seu querido amigo "Ti Alfredo", que no dia do funeral, o Padre ao dizer a Missa de Corpo Presente, ele próprio com as lágrimas nos olhos enalteceu a sua imagem de lisboeta e fadista, amante da sua cidade e da sua freguesia E a todos supreendeu, quando recitou os versos que Marceneiro tantas vezes cantou:
Alfredo Marceneiro canta:
A Minha Freguesia
Se os cantadores todos, hoje em dia
Ruas e bairros cantam, de nomeada
Eu cantarei á minha freguesia
A de Santa Isabel tão afamada
Freguesia gentil que não tem par
É talvez de Lisboa, a mais dilecta
De D. Diniz, a rua faz lembrar
O esposo de Isabel o Rei poeta
Lembra a Rainha Santa, quando vinha
Transformar o pâo em rosas, com fé tanta
Ela que Santa foi, menos Rainha
Mas foi entre as Rainhas, a mais Santa
Poetas e literários, foram seu
Ilustres moradores, geniais
Como Almeida Garrett, João de Deus
Teófilo, Junqueiro e outros mais
Freguesia onde enfim, moro também
Onde sempre pisei honrados trilhos
Nela casou a minha querida mãe
E nela é que nasceram os meus filhos
Que Deus me dê a graça, a alegria
Na vida tão cheínha, de desgostos
A vir morrer na minha freguesia
Como um soldado morre no seu posto
Assim, até na sua morte o Fado acontecia. Cumpriu-se o desejo que Alfredo Marceneiro cantava nos versos escritos pelo poeta Armando Neves.
É de realçar, que não havendo espaço no talhão dos artistas no Cemitério dos Prazeres, a Câmara Municipal de Lisboa, disponibilizou um gavetão perpétuo para repouso dos seus restos mortais.
Milhares de pessoas acompanharam o cortejo fúnebre que apesar de ser proibido se efectuou a pé, numa sentida manifestação de pesar desde Santa Isabel até ao Cemitério dos Prazeres. Guitarristas dedilharam os seus instrumentos, durante todo o percurso, " a sua Marcha" em tom dolente e magoado, que mais parecia um choro de guitarras.
O Povo de Campo d´Ourique estendeu colchas nas janelas, numa homenagem singela ao homem simples do seu bairro.
Todos os orgãos de informação se referiram á efeméride, com títulos de destaque.
(*) 91 anos em termos de registo de nascimento, masa na realidade tinha 94 anos
Chorai Fadistas, chorai...
A morte de Alfredo Marceneiro
— A GRANDE LENDA DO FADO
in Diário de Notícias
« Ti Alfredo » deixou-nos
Morreu O REI do FADO.
Morreu aquele a quem apelidaram de
—PATRIARCA do FADO
Marceneiro morreu, o fado de luto
Morreu Alfredo Marceneiro
— O MONSTRO do FADO
Guitarras choraram por Alfredo Marceneiro
in Correio da Manhã
Morreu Alfredo Marceneiro...
O Fado lisboeta está de luto.
in O Dia
De todos os jornais diários que se referiram á efeméride destaco o artigo assinado pelo jornalista e poeta Fernando Peres que foi seu grande amigo e admirador:
GUITARRAS CHORAM NO FUNERAL DE MARCENEIRO
in A Capital
"Não sabemos de quem teria sido a ideia mas não é difícil adivinhá-lo: José Pracana tem alma de poeta e uniu-o sempre ao ti Alfredo uma amizade filial. Talvez pela primeira vez, desde a saída do corpo até ao cemitério dos Prazeres, guitarras e violas choraram o que deixa insubstituível um lugar e foi um intérprete ímpar de várias gerações. Apenas melodias suas foram escutadas por gente que se espalhava pelas janelas para assistir ao cortejo enorme e ouvir um coro imenso de vozes de que Alfredo Duarte (o Marceneiro para toda a gente) era autor e andam na boca de toda a gente.
Esta é uma verdade indesmentível. Se reflectirmos, podemos concluir que a vida e a morte constituem os círculos viciosos do tempo.
A hora que se viveu é uma hora morta. Aquilo que hoje é emoção violenta, constitui amanhã, uma sensação esquecida.
Devemos insistir: esta é uma verdade indesmentível pois existe dentro de cada homem uma tragédia que ele ignora e uma comédia que ele vive. Algumas vezes, a tragédia é caricata ridícula, dá vontade de rir. Mas nunca ninguém riu da tragédia que consigo arrasta. É que a dor é um sinal da vida. Na realidade, só vive quem sabe sofrer...
Por isso ti Alfredo não sofre sózinho. Consigo leva um bocadinho do coração de todos nós. Os ídolos do fado são ídolos do povo. E um desses foi esse extraordinário Alfredo Marceneiro, decano dos intérpretes portugueses e, talvez, mundiais. Quase todos choraram quando foi o «momento da despedida». Mas homens como o ti Alfredo não morrem, nunca. Faltou a madrugada, substituída por um Sol radioso. Mas tudo teve expressão e significado. Valeu pela intenção valiosa e espectacular (houve quem estivesse de muletas). Se era preciso, foi a consagração de um grande fadista. Quantos o acompanharam, e entre eles o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Leonor Beleza, constituíram um público, sem distinção de classes ali acorrendo a acenar o seu adeus ao maior intérprete da canção, nascida não se sabe onde ecoou em vozes doridas e viciosas nas betesgas das ruelas de Lisboa. Depois, ganhou raça em gargantas aristocráticas e hoje corre mundo na névoa das «boites».
De facto, passam tristezas a desfazer-se e o vento arrasta-se, lentamente, com vagares de cansaço. Já se feriram alegrias em vibrantes risos. Uma lágrima indiscreta espreita um sorriso.
Não o disse? «Felizes os que sabem, colhendo beleza e poesia, refugiar-se em recordações purificadas da mesquinhez do mundo. Felizes os que são sabem, colhendo inspirados pelo amor, para quem o poente é sempre uma rosa e o azul tem transparências». Teve a sua companheira — a tia Judite — ao seu lado até ao último momento. Mãe dos seus filhos teve até ao final um gesto de amor. «Felizes os que sabem andar feliz o coração no espaço infinito, entre orações, bençãos e perdão. Felizes os que sabem demorar o perfume que o amor deixou».
Lá estiveram os seu amigos. O infalível Júlio Amaro (como podia ele faltar?). E sabe uma coisa? Foi uma manifestação de ternura, neste mundo de egoísmos, cada vez mais fracas.
Ti Alfredo, até qualquer dia..."
Na Revita "MAIS" de 2 de Julho de 1982, destaca-se aqui o seu editorial e dois artigos da autoria de grandes jornalistas.
UM SILÊNCIO NO FADO
"Um silêncio no Fado, eis o que se fez, súbito, no último fim-de-semana.
Morrera Alfredo Marceneiro ou, se preferirem ele mudara de "poiso" para parte incerta onde, afinal, todos acabaremos por beber do mesmo copo — como ele continua, certamente a fazer.
Um silêncio no Fado, eis o que se fez, súbito no último fim-de-semana.
Um silêncio de guitarras e violas, um silêncio de gargantas vazias, um silêncio cúmplice de cantos impossíveis.
Alfredo Marceneiro "diz" agora ali mesmo, ao virar desta esquina, todos o sabemos. Por isso aqui estamos prontos a escutá-lo naqueles que o testemunharam, naqules que o viveram e conviveram.
Prontos, não a consagrá-lo (que é lá isso?) mas a guardá-lo, nosso."
"MARCENEIRO" — exemplo do fado autêntico
"Sim, é uma verdade indesmentível: os ídolos do Fado são os ídolos do povo. E Alfredo Marceneiro, o «maior» do Fado tinha em si qualquer coisa de indefinível, de boémia atrevida e palpitante a confundir-se com uma ingenuidade quase infantil. Como era ele, afinal?
Igual a si próprio: rezingão e pitoresco, com a sua madeixa preta, a testa enrugada, matendo ao pescoço o lenço de seda com um nó mal-humorado. Como cantava? Como ninguém: com voz saturada de sensibilidade, uma voz popular e instintiva intérprete como nenhuma outra, da pobreza feliz da cidade e a pesia do seu povo. No Fado, soube sempre poetizar Lisboa. E, por isso, talvez, já não pertence apenas ao Fado e aos que o admiram — é património de Lisboa.
A cidade vai perdendo as suas figuras típicas. Mas ainda tinha em Alfredo Marceneiro um exemplo do Fado autêntico, nascido não se sabe onde mas que vivia na sua alma. Ele possuía a reforma do ofício que foi durante anos um apelido. Chamava-se Alfredo Rodrigo Duarte, o «Marceneiro» para quase todos, «Ti Alfredo» para os fadistas e para os amigos. Andou a roçar os noventa e era ainda uma figura da noite lisboeta. Raros o viram de dia e sempre por ocasiões graves. De resto era a noite que o trazia, envolvendo-o nas suas sombras de mistério. E, parecia conservar nos lábios uma saudade e um beijo quando chegava e dizia: «boa-noite». Sim, era a noite quem o trazia pois é de noite que ele vivia no mundo onde ganhou fama e glória. A sua ronda diária pelas casas típicas (a terminar sempre madrugada alta) era já talvez, uma necessidade de se sentir estimado, acarinhado, vivo para os que lhe queriam bem. O Fado, a sua segunda vida foi, afinal, a sua vida inteira."
Assina: Fernando Peres
E ainda na Revista Mais um artigo de Miguel Esteves Cardoso
Ao fadista, Alfredo Marceneiro,
bem ido e bem vindo,
por,ocasião do fim da sua primeira vida (1891 - 1982)
"Se, como escreveu D.H. Lawrence, a morte é a única pura e bela conclusão de uma grande paixão, então a morte do fadista Alfredo Marceneiro é, também ela, um acto de paixão.
E é um Fado.
E é uma morte.
Mas um fadista não morre como morreram os outros homens.
A morte não o surpreende nem o leva — é ele que a chama e a ela se entrega. Porque ser fadista é atiçar, cortejar, pedir a morte desde o primeiro momento em que o Fado lhe nasce na voz. Um fadista, ao morrer, vê a sua arte a atingir o ponto máximo de perfeição.
E é um Fado.
E é uma morte.
Mas um fadista não morre como morrem os outros homens.
Ele trata a morte por tu. Conhece-le os jeitos e as manhas e só pode ter por ela o respeito que se tem por aquilo que conhecemos de gingeira: é gingão com ela, mas tem-lhe amor. Ou não fosse todo o Fado um fingimento da morte e todo o fadista um fingimento da vida
E é um Fado.
E é uma morte
E é uma saudade, e um destino. Ou não fosse a saudade, como memória do bem que jamais regressará, no qual que nunca desaparecerá, uma espécie de morte. O mesmo, em vida que ver morrer. Ou não fosse o destino, como pressentimento sem recuo nem apelo, uma espécie de preparação para a morte. O mesmo, em vida, que ver-mo-nos morrer.
E é um Fado
E é uma morte.
Pela saudade, o fadista pôde saborear a morte que lhe sobe do peito pela garganta, até à boca. É talvez um amargo e doce paladar — terá concretiza algo a ver com amêndoas cruas, caroços de cereja, vinho acre.
Pelo destino, o fadista faz no peito a cama á morte e o aroma desses lençóis sobe pela garganta até à boca e tem o cheiro de uma mortalha lavada nas lixívias pungentes da vida.
E é só um Fado.
É afinal apenas uma Morte.
Mas que sentido teria celebrá-la e senti-la senão com sua própria língua, a do Fado e da Morte ? A morte de um fadista, a morte de Marceneiro, só pode ser celebrada e sentida na voz de outro fadista. Não pode ser escrita, não consente ser lida.
Porque o Fado precisa dos seus fadistas mortos, das suas lendas e lugares. No Fado, o luto continua. Deste modo sempre. Ou há alguém que disputa a lenda e o lugar da Severa ? Ou há alguém que duvide que, como morto. Marceneiro servirá o Fado como o não pôde servir nos últimos anos da sua vida ?
E é outro Fado.
E é nenhuma Morte.
Ao morrer, Marceneiro inicia uma outra carreira no Fado. Tão bela e importante como aquela que findou. Será furiosamente lembrado, mistificado, transformado em voz. Porque é uma das bonitas qualidades do Fado: o Fado nunca esquece. Agora é que Marceneiro começará a viver, porque já está morto, reconciliado com o seu destino de homem, preparado para a sua missão de reminiscência e saudade.
E é este o verdadeiro Fado.
E é esta a verdadeira Morte.
Porque os fadistas não morrem como os outros homens.
Melhor: nem sequer morrem. Toda a vida anseiam morrer. De amor e paixão, de cio e da saudade. Sem respeitar a vida, que é coisa que vem e que passa, senão daquilo que a vida tem de transportadora. Transportadora da imagem e do desejo das coisas que se amaram, e que nela se guardam, tão brancos como no dia que nasceram,os vícios da alma, os vícios do corpo.
E é assim um bonito Fado.
E não é assim uma feia Morte.
Ou não haja alguém que ponha em causa que um fadista não é um homem que, ora em ora, canta o Fado. Não existe esse bicho: o fadista em tempo parcial. Cantar o Fado é apenas um momento na vida de um fadista, tão natural como abrir as janelas de manhã, tão normal como as tarefas do dia-a-dia. E as tarefas do noite-a-noite, as rondas, as batalhas, os amores, os vinhos, os amigos, os trabalhos, misturam-se com o canto e — nos grandes fadistas, como o Marceneiro — entram pelo canto adentro e tudo encharcam para que a voz depois dê vazâo à paixão, dê cor à dor, dê despejo ao desejo.
È isto o dito Fado.
Bendito Fado, para além da Morte.
Alfredo Marceneiro foi esse fadista em que o Fado, como mero canto, era indissociável do Fado, como mera vida. Mas se dantes não havia realidade que podia com o arroubo de lembrar — o Fado é uma perpétua reconstrução do passado, sabendo sempre que nunca o poderá reconstruir a tempo de evitar o futuro — se dantes não havia Marceneiro—homem que podia com o esplendor de Marceneiro—mito; agora, agora e durante os muitos anos que só o Fado guarda contristadamente faz enternecer, Marceneiro pertence todo ao Fado como nem ele em vida, conseguiu pertencer.
E é Fado
E deixa de ser Morte
Digamos só: Olá Alfredo Marceneiro, é bom tê-lo outra vez entre nós.
Assina: Miguel Esteves Cardoso
Imagem do Cortejo que acompanhou a pé, em marcha lenta, ao som das guitarras, Marceneiro até à sua sepultura
NAS RUAS DA NOITE
A Vítor Duarte, “Marceneiro Terceiro” — Meu padrinho no Fado
Fernando Pinto Ribeiro
No crepitar de estilhaços(*)
de estrelas sobre os espaços
da Lisboa rua em rua —
crucificámos abraços
encruzilhados nos passos
que à noite a lua insinua
Nas nossas bocas unidas
sangrámos fados em feridas
dos beijos amordaçados —
salvámos vias vencidas
que andam pla treva perdidas
como num mar afogados
Cegos de sombras e lama
E da sede que se inflama
numa inquisição divina —
bebemos o vinho em chama
que sanguínea luz derrama
no candeeiro da esquina
Embriagados de lume
sem dissipar o negrume
do fumo que nos oprime —
rezamos todo o queixume
do cio deste ciúme
num amor que se faz crime
Crucificamos abraços
encruzilhados nos passos
que a noite nua desnua —
crepitantes de estilhaços
de estrelas quando em pedaços
vêm morrer sobre a rua
Fernando Pinto Ribeiro, é natural da Guarda. Nasceu em 1928. Ao 17 anos vem para Lisboa após completar o Curso Liceal, inscrevendo-se na Faculdade de Direito, cujo curso não chegou a completar. Já em jovem começa a rimar as palavras, nunca deixando de escrever quadras soltas, tendo aos catorze anos escrito, o seu primeiro soneto a que dá o título de “Soneto dos 15 Anos”.
Colaborou nas Revistas Flama , Panorama, Páginas Literárias, em Jornais, como Diário de Notícia, Diário Ilustrado e em vários jornais regionais, tendo também sido publicados no Brasil alguns poemas de sua autoria.
Foi Director da Revista de Letras e Artes “CONTRAVENTO” (1968), da qual só se conseguiram editar quatro números, dado que o seu cariz intelectual e democrático, não podia de deixar de ser amordaçado pela censura.
Pertence aos corpos sociais da Sociedade da Língua Portuguesa, Sócio da Associação Portuguesa de Escritores, Cooperador da Sociedade Portuguesa de Autores, Sócio da Colectividade Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes”. (Colectividade Popular Centenária)
Frequenta algumas noites de Fado e fica fascinado com o ambiente da noite fadista, começando sem que se aperceba, a identificar-se com a “expressão fadista” o que apela à sua alma de poeta, começando a escrever alguns fados que desde logo foram bastante elogiados. Compositores de Fado colaboraram, e a qualidade dos seus poemas é tal, que logo houve nomes do panorama musical do Fado que os quiseram interpretar, fadistas como: Ada de Castro, Alexandra Cruz, Anita Guerreiro, António Mourão, António Laborinho António Passão , António Severino, Arlindo de Carvalho, Artur Garcia, Beatriz da Conceição, Branco de Oliveira, Carlota Fortes, Chico Pessoa, Estela Alves, tia e sobrinha, Fernando Forte, Francisco Martinho, Humberto de Castro, Julieta Reis e sua filha Sara Reis, Lenita Gentil, Lídia Ribeiro, Maria Jô-Jô Pedro Lisboa, Lurdes Andrade, Natércia Maria, Simone de Oliveira Toni de Almeida,, Tonicha , Tristão da Silva, Xico Madureira, e outros. No início Fernando Pinto Ribeiro usava o pseudónimo "SÉRGIO VALENTINO".
Alguns das suas letras para fado mais conhecidos, são: Às Meninas dos Meus Olhos, A Cantiga dos Pardais, Era um Marinheiro, Fado Alegre, Hino à Vida, Nas Ruas da Noite, Bom Fim de Semana, Noites Perdidas, Pensando em Ti, Lisboa vai, Pensando em Ti, , etc.
© Vítor Duarte Marceneiro
Fernando Pinto Ribeiro
Diz um poemas de sua autoria
«AO NOVO DIA»
Video realizado por Vítor Marceneiro
Nasceu em Lisboa em 1880 e residia no Bairro de Campolide. Faleceu em Lisboa em 1946.
Começou a trabalhar numa livraria, foi posteriormente tipógrafo e bibliotecário da Torre do Tombo.
Aos 15 anos já cantava as suas obras. Era presença obrigatória em qualquer festa de trabalhadores.
cantando apenas obras de sua autoria, normalmente acompanhado pelo guitarrista Domingos Pavão, seu amigo de infância, o mote das suas letras, versava o amor, saudade e também usava o Fado, para através dele veicular as suas ideias politicas e sociais.
Cantou em tabernas, retiros, colectividades de recreio, em salas de gente elegante.
Travou grandes “despiques” com João Patusquinho, Manuel Serrano, João Black, Júlio Janota, Carlos Harrington e o Calcinhas Narigudo.
Estreou-se em 1911, como autor teatral com a revista “Perdeu a Fala”, vindo a conquistar assinalável êxito com a opereta “Bairro Alto”, com música de Venceslau Pinto, Alves Coelho e Raul Portela, apresentada em 1927 no Teatro São Luiz, em que a cantadeira Aldina de Sousa, desempenha o papel de Adelaide Pinóia cantando o Fado do Bairro Alto, “Cacho Doirado” (de colaboração com Venceslau de Oliveira), a fantasia “País do Sol” (de colaboração com Carlos Leal), o drama “A Guerra” (de colaboração com Luís Galhardo), e o «vaudeville» “Guerra do Fado”.
Publicou ainda, entre outros, os livros Canções do Fado, O Fado das Mulheres, A Canção Nacional (com prefácio de Angelina Vidal), Cinquenta Sonetos e Cantem Todos...
Há uma quadra que compôs, que ainda hoje, quase toda a gente, principalmente do Fado conhece, pela sua originalidade, sendo muito cantada em desgarradas:
Ao Fado tudo se canta,
Ao Fado tudo se diz:
— No cristal de uma garganta
Vive a alma de um país.
Colaborador regular da imprensa operária e da imprensa do Fado, coligiu em 1912 os artigos escritos em A Voz do Operário sob o título O Fado e os Seus Censores, com prefácio de Júlio Dantas, obra de referência na bibliografia fadista.
Meu avô era amigo de Avelino de Sousa, (ainda não era conhecido como “Alfredo Marceneiro”), e foi por sua influência que entrou para sócio de “A Voz do Operário” em 1914, o que decerto muito contribuiu para o seu futuro como fadista, mais tarde e já conhecido como Alfredo Marceneiro, veio a integrar o elenco da opereta de Avelino de Sousa “História do Fado”, no Coliseu dos Recreios, como interprete de Fado.
Parte do espólio de Avelino de Sousa, foi entregue ao autor deste bloco, na sua qualidade de Director Executivo da Associação Cultural de Fado “ O Patriarca do Fado”- Alfredo Marceneiro, através da Poetisa Aline Mamede e a pedido da Srª. Dª Noémia Marques Gouveia Alexandre, filha adoptiva de Avelino de Sousa e de sua mulher Lucinda Ferreira de Sousa, para que o entregasse a quem considerasse que melhor o divulgaria e conservava, pelo que, a A.C.F.P.F, foi quem lhe mereceu melhor consenso, aliás este blogue já tinha relembrado este grande autor numa publicação desde 2007.
Este espólio, é composto por:
Foi uma grande honra recebermos este espólio, sabemos que não fomos a primeira opção, mas as outras, que pensavam ter mais lógica recebê-las, foram ao que me constou, uma desilusão.
Aqui vos deixo algumas fotos deste extraordinário espólio.
Vítor Duarte Marceneiro
Fotos do manuscrito e do livro encardenado da Opereta Bairro Alto
Fotos da Opereta "Bairro Alto" com a artista que fazia de camareira Aldina de Sousa e outros figurantes.
Livro de Poemas manuscrito dedicado á mulher Album de Recordações
FADO DO BAIRRO ALTO
Letra de: Avelino de Sousa
Música de: Alves Coelho
Cantado por: Aldina de Sousa n´Opereta Bairro Alto
Coro
É o fado nacional
A canção mais portuguesa,
Que nos fala ao coração
E que tem em Portugal
A graça, o encanto, a beleza,
Da mais sagrada oração!
Do Alto Longo ao Camões,
Atravessa-se num salto!
Mas tão curtas dimensões
Guardam sempre as tradições
Do meu velho Bairro Alto!
refrão
Quando chega a procissão
Dos Passos, no seu andor,
Todo o bairro vai então
Confirmar a devoção,
Beijar o pé ao Senhor!
O Bairro Alto
Vale mais que a Mouraria,
Onde a Severa vivia
E só por isso tem fama!...
O Bairro Alto,
Mais fidalgo e mais artista,
É mil vezes mais fadista
Até do que a própria Alfama.
Da madrugada ao alvor
Passa a rascoa e o faia...
E entre a navalha e o amor
Chora o fado a sua dor
Pela Rua da Atalaia!
Toda a gente dos jornais,
Poetas e actor's lá vão
Ouvir os sons divinais
Dos fadinhos nacionais
À taberna do Tacão!
Documento inédito de uma entrevista a Francisco Cruz (1º marido de Amália alcunhado do Chico da Amália), dada ao Jornal de Notícias de Lourenço Marques em 16 de Janeiro de 1951. Com factos que embora do foro pessoal de Amália e do Francisco Cruz, são relevantes para desmistificar algumas publicações menos correctas e objectivas, que me foi entregue em mão, com a mensagem: És uma fonte credível... continua.
Esta página inédita em breve será divulgada depois de trancrita para um ficheiro Pdf
©Vitor Duarte Marceneiro