Faz 20 anos que Hermínia Silva nos deixou. Faleceu no dia 13 de Junho de 1993, dia de Santo António. Estará sempre nos nossos corações, e de certeza no futuro, as novas gerações ainda falarão muito desta grande mulher, que está na história do Fado e do Teatro de Revista por mérito próprio.
Este página é baseado no livro biográfico da autoria de Vítor Duarte Marceneiro e está protegido por "Copywrite" estando devidamente registado na S.P.A. e no I.G.A.C.
São permitos excertos do mesmos, que visem a divulgação da biografada e seja referida a fonte.
A RAZÃO DUMA PAIXÃO
Só de há alguns anos para cá me apercebi que o Fado é um estado de alma, é paixão. Desde muito novo que o adoro e cultivo, mas à medida que vou amadurecendo, dou por mim a venerá‑lo cada vez mais. Lembro coisas do «fado» e de Fado, que durante muito tempo parecia que nada me diziam, estavam adormecidas, mas que agora me vêm à memória, em catapulta desenfreada, e penso... Tanto tempo que eu perdi.
Reuni neste livro, a que dei o título de Recordar Hermínia Silva, tudo o que sobre ela consegui recolher, com o intuito de fazer história sobre essa mulher, que era povo, foi amada e ovacionada, mas manteve‑se sempre simples e despretensiosa. Era dotada de um dom especial, que só muito poucos têm, de cantar e representar muito bem, era um representar que não se estuda no «Conservatório», com a sua voz bem castiça dava um cunho muito pessoal às suas interpretações que deliciavam a quem a escutava, quer no fado tradicional, quer no fado revisteiro, mas na revista para além de cantar interpretou figuras e «meteu buchas» que fizeram o delírio de milhares de espectadores.
Obrigado Hermínia Silva por tudo que deu ao Fado, ao Teatro de Revista, ao Povo Português.
Vítor Duarte Marceneiro
2003
PREFÁCIO
É tão raro alguém dedicar tempo, afinco e talento a elaborar uma monografia sobre uma figura do Fado que, quando tal acontece, a comunidade fadista e todos quantos prezam os nossos valores culturais de raiz ficam devedores de um esforço que não é fácil, não é breve, não é ligeiro e, as mais das vezes, não é compreendido.
Vítor Duarte, com este seu livro sobre Hermínia Silva, é credor dessa dívida, a vários títulos.
Primeiro, porque já nos tinha brindado com dois volumes sobre o seu avô, o cantador e compositor de Fado mais marcante de todos os tempos: Alfredo Duarte, o Marceneiro. Primorosos de sentido de evocação, riquíssimos de fotografias, caricaturas, entrevistas, registos sonoros (o primeiro), ficam esses dois livros como um importante legado para o Futuro, marcado por uma incomensurável ternura e admiração de neto, por um sentimento autêntico de fadista que o Vítor também é, filho e sobrinho de fadistas, último elo de uma dinastia de nomes inesquecíveis (enquanto os seus jovens filhos não mostrarem, um dia, os dotes).
Mas as más línguas – e se as há, no Fado! – diriam aqui que não admira, era neto, estava bem colocado, aproveitou o espólio da família. Como se isso diminuísse o mérito da tarefa e o valor do legado.
Porém, Vítor Duarte, Marceneiro, sim, porque trabalha, não no ofício mas na palavra e na imagem, em prol da canção popular lisboeta (para além de cantar cada vez com mais maturidade e declamar como poucos), vem agora calar para sempre quaisquer más línguas. Nenhum laço familiar o ligava a Hermínia Silva. Apenas o mesmo sentir fadista que o fazia reconhecer nela a incomparável intérprete que era. Apenas a mesma ternura, expressa no episódio — que bem contado! — de ter sido no Solar da Hermínia que cantou em público pela primeira vez, tremendo diante do avô, do pai e... da dona da casa. Apenas a revolta incontida por pouco ou nada se ter escrito sobre um vulto tão importante e tão esquecido. Apenas aquele arregaçar de mangas e meter mãos à obra, tão próprios do Vítor quando sente que é preciso. E este «apenas» encerra horas e horas de escrita, a martelar no computador; dias inteiros na Biblioteca Nacional, a consultar velhos jornais; telefonemas a meio mundo, para obter mais uma fotografia, mais um dado em falta, mais uma data, mais um nome de uma revista do Parque Mayer, de um compositor, de um poeta; uma eternidade, a reorganizar sucessivamente todo o material entretanto conseguido.
Esse «apenas» está aqui, pronto e acabado, servido pelo Vítor Duarte com a sua habitual modéstia, por uns quantos euros.
Já lhe agradeci.
Daniel Gouveia
Outubro/2003
BIOGRAFIA DE HERMÍNIA SILVA
Hermínia Silva nasceu às 18 horas do dia 23 de Outubro de 1907, no Hospital de São José, freguesia do Socorro, era filha de Josefina Augusta, que morava à data do parto na Rua do Benformoso, 153, no 1.º andar, freguesia dos Anjos, em Lisboa. (1)
(1) Conforme Acento de Nascimento n.º 704, do ano de 1907, na 8.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa.
Sua mãe, chamava-se Josefina Augusta, era natural de Samora Correia. Teve uma irmã mais velha que tinha o nome de Emília e um irmão que se chamou Artur Moreira.
É com palavras da própria Hermínia, com a sua simplicidade, a sua graça no jeito tão pitoresco que ela tinha a exprimir‑se, que aqui se transcreve parte da sua biografia:
Julgo que nasci numa casa ali para os lados do Campo de Santana (2), numa travessa, cujo nome não recordo, e não recordo porque saí de lá apenas com oito meses. A verdade é que não tenho quaisquer recordações do tempo que mediou entre o meu nascimento e a idade escolar, mas creio que fui uma criança absolutamente normal, com todas as gracinhas, «perrices» e evoluções que são comuns a todas as crianças normais.
No entanto, recordo que me contaram que quando tinha oito meses caí da varanda à rua. Mas eu explico como isso foi e como é possível eu ainda aqui estar a falar sobre a minha infância.
Ora, na casa onde nasci, havia uma varanda, na qual eu brincava habitualmente, que, por segurança, estava protegida por uma rede. Porém, um dia, por qualquer razão, que ignoro, alguém tirou a rede e eu, na minha «gatinhice», enfiei pelas grades e fiz um «voo picado» até à rua… bom, até à rua não, porque tive a sorte de cair na giga de uma mulher que vendia hortaliça e que, providencialmente, passava nessa altura debaixo da varanda.
Logo um senhor, que passava por ali na ocasião, agarrou em mim e levou‑me para o Hospital. Cheguei lá e... pasmem, verificaram que não tinha nem uma beliscadura. E eu, muito sossegadinha, não chorava nem nada.
Deram‑me, depois, lá no Hospital, uma colher de cerveja preta e trouxeram‑me finalmente de volta a casa, onde todos se encontravam muito aflitos,... Mas cair de um segundo andar à rua, apenas com oito meses, e nada sofrer, hem?! Ao menino e ao borracho…
Este é, segundo julgo, o único episódio fora do vulgar da minha infância, já que não tenho ideia ouvir falar em mais nada.
Como consequência dessa queda da janela à rua, veio uma mudança de residência. Minha mãe, impressionada com o acidente, não quis continuar naquela casa e, assim, mudámo‑nos para o Castelo.
(2) Hermínia faz esta afirmação sobre o seu nascimento em entrevista ao jornal Trovas de Portugal, de 30 Julho de 1933, onde, na página seis, Hermínia escreve pela pena do jornalista: — Sou de Lisboa, freguesia do Socorro, e criei‑me no Castelo de S. Jorge!
No Álbum da Canção, datado de 1965, fala do local do seu nascimento, mas sem muita clareza: — nasci numa travessa da qual não me lembro o nome, ali ao “Campo de Santana”.
Em 1980, quando da festa da entrega da Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa, Hermínia Silva é entrevistada para a RTP e diz que nasceu na «Rua das Flores» que ficava junto à Travessa Conde de Avintes, e que era perto do local onde morava o Armandinho. Ora este local situa‑se na freguesia de S. Vicente de Fora e há lá uma Travessa das Flores e não Rua das Flores.
Desde que me entendo que gostei de cantar. E o fado, cantava‑o a todo o momento, e por toda a parte: na rua, em casa, na escola, desde que aos seis anos comecei a frequentar a escola, que ficava ali na Rua da Madalena, mesmo em frente da igreja.
Ora lá na escola, por vezes, havia umas festas nas quais tomavam parte algumas meninas que sabiam cantar. Eu deixava‑me ficar muito caladinha quanto aos meus «méritos», pois tinha vergonha de os revelar. Até que um dia, quando se preparava uma dessas festas, uma das minhas colegas dirigiu-se à mestra e, apontando-me, revelou:
— Minha Senhora, esta menina canta muito bem!
Claro está que a professora quis, imediatamente, avaliar as minhas possibilidades e mandou-me cantar uma música que eu soubesse bem. E eu «desatei» logo a cantar um fado, daqueles bem fadistas.
A professora ao ouvir-me cantar o fado levou as mãos à cabeça e, fazendo um gesto negativo, declarou:
— Ai. Esta menina! Não… Fado não!
Depois, talvez por ver a decepção estampada na minha cara, incitou-me a cantar outra «moda» que eu soubesse. Cantei, ou melhor, comecei a cantar uma canção que sabia também, mas o pior é que mesmo a canção, na forma como eu cantava e na minha voz, soava como fado. E, de novo, a senhora me interrompeu, repetindo, um tanto ou quanto escandalizada:
— Não, fado não… Esta menina não pode cantar na festa! As meninas não cantam fado!
Escusado será dizer que fiquei com uma grande «pinha», pois cantar já era para mim uma paixão.
E começava também já a despontar em mim o desejo de representar. E chorei que me fartei.
Mas a vida continuou e eu sempre cada vez mais possuída por aquela verdadeira paixão que era para mim o cantar. E sempre que podia lá estava eu de «boca aberta» quer fosse em casa, quer fosse nas casas de pessoas amigas que me convidavam, de vez em quando, a cantar um «fadinho», quer fosse em festas particulares, onde me chamavam de propósito para eu «botar» cantiga, porque achavam que eu tinha «jeitinho».E eu ia sempre cantando e sempre a pensar no Teatro, pois nesse tempo não havia casas típicas e eu para as tabernas não ia… claro que não ia.
Até que um dia…
Estava eu em casa da minha irmã Emília (3), que morava ali em Entre Muros do Mirante, quando casualmente passou o Armandinho, que morava para aqueles lados e me ouviu cantar. Ou melhor, ouviu uma voz, vinda daquele prédio. Então, subiu as escadas, bateu a porta e perguntou à minha imã, que foi quem abriu:
— Não é aqui que está uma pequena a cantar?
— É, é. É a minha irmã — replicou.
— Que idade tem ela?
— Olhe, tem doze anos.
— Chame‑a lá, faz favor — volveu Armandinho, cada vez mais interessado.
A minha irmã, que sabia o quanto eu era acanhada, volveu:
— Ai, ela não vem.
— Chame‑a lá — insistiu o grande Armandinho. — Olhe que ela tem uma bonita voz. Uma voz muito engraçada. Ora chame‑a lá. Que eu arranjo já um contrato para ela ir gravar um disco ao «Valentim de Carvalho».
A minha irmã sorriu, pouco convencida, e explicou a Armandinho:
— Ai, ela não vai. A minha mãe não deixa.
Porém, o famoso guitarrista não se deixou convencer com aquela primeira negativa da minha irmã.
(3) Hermínia refere que a irmã vivia ali «Entre Muros do Mirante», à Graça, e provavelmente passava por este local quando ia para casa da irmã. Quanto à sua alusão a Rua das Flores, e como já acima referi, será lógico ser Travessa das Flores, que fica na freguesia de S. Vicente de Fora.
Gostara, sinceramente, da minha voz, da maneira como eu interpretava o fado e não estava disposto a desistir assim às primeiras. E então pediu licença para entrar, para falar directamente comigo.
Escusado será dizer que eu, que estivera a ouvir toda a conversa, apareci nesse instante e, então, Armandinho dirigiu‑se‑me:
— Então, não quer vir cantar?
Eu claro que queria cantar, já que cantar era, pode dizer‑se, a minha vida.
Mas a verdade é que fiquei muda e o malogrado artista prosseguiu:
— Ora vá, venha gravar um disco. Olhe, nós agora até vamos a Berlim, com o Menano e a Ercília Costa, e a menina também podia ir.
Talvez por julgar que me encontrava a sonhar, a verdade é que permaneci muda como um penedo, enquanto o meu interlocutor, certamente para me entusiasmar, ia prosseguindo, tentador:
— Vá, venha que faz um «vistaço». Venha lá gravar um disco. Então não quer ir connosco cantar? Então não quer ir para o Teatro?
É claro que, se eu tinha imensa vontade de ir para o Teatro, naquela altura, ainda fiquei com mais. Mas não fui. Não fui com o Armandinho. Sim, não ia assim para Berlim. De maneira nenhuma...
Mas as coisas da vida nem sempre correm à medida dos nossos desejos, e o mundo dá muitas voltas.
Chegou a altura em que tive necessidade de ir aprender um ofício e empreguei‑me como aprendiza de modista. No entanto, o meu pensamento estava sempre no Teatro e no Fado. E continuei a cantar, quer pelos bailaricos, quer em festas particulares, para as quais estava sempre a ser chamada. E eu ia sempre, pois o que eu queria era cantar…
EU, QUE NÃO SOU NADA DRAMÁTICA,
FUI AMADORA DRAMÁTICA…
Em 1925, sempre norteada pelo grande amor que dedicava ao Teatro, inscrevi‑me como amadora dramática no «Grupo dos Leais Amigos», ali ao pé da igreja de S. Vicente. O que eu queria era representar e tanto assim que representei coisas dramáticas, eu que não sou nada dramática... Mas tal era a fúria de ser artista... que tudo me servia.
Em 1926, representei e cantei no antigo Teatro Gil Vicente, à Graça. Foi ali que, certo dia, apareceu um senhor que era escritor, Artur Vítor Machado de seu nome. Esse senhor levou‑me à presença do pai, o maestro A. Júlio Machado, que era empresário, e foi logo assim, que ainda nesse ano me levou numa tournée à província.
Era tal a minha gana de vencer, que me comportei de tal modo que, no início desse giro artístico, o meu nome figurava nos cartazes em último lugar e quando regressámos eu era já a primeira figura.
Terminada essa tournée que foi, pode dizer‑se, o início da minha carreira como profissional, fui trabalhar para um cinema, ali à Esperança, o «Malacaio». O contrato por oito dias que me fizeram era para cantar fados no final da exibição dos filmes.
Mas a verdade é que o público me dispensou tantas gentilezas, me acolheu e adoptou com tanta e tão grande simpatia, que esses oito dias se transformaram, quase sem que déssemos por isso, em dois anos. É verdade: durante dois anos consecutivos actuei no «Malacaio» em final de festa. E sempre com o pleno agrado do público frequentador daquele cinema que não me regateou o seu apoio e os seus aplausos. Ainda hoje conservo no coração a simpatia daquele público. Foi Rui Metelo, um empresário muito conhecido na época, que me proporcionou esse contrato.
O PARQUE MAYER
Quando finalmente deixei de cantar no «Malacaio», fui para o Parque Mayer. Ali os estabelecimentos de farturas tinham, ao tempo, grande clientela, estavam em voga. Ali se cantava o fado. Pode dizer‑se que essas casas foram as percursoras das casas típicas que hoje conhecemos.
Ora, quando fui para o Parque Mayer, era contratada pelo «Valente das Farturas». Este contrato, tal como acontecera com o cinema da Esperança, era por oito dias. Mas tal como aconteceu no «Malacaio», esses oito dias prolongaram‑se por mais dois anos.
Nessa altura, eram frequentadores assíduos no «Valente das Farturas» a grande maioria dos artistas de então, que trabalhavam nos Teatros do Parque Mayer. Muitos deles já iam lá especialmente para me ouvirem, pois gostavam da minha maneira de cantar. O meu salário então já era de cinquenta e cinco escudos diários, o que para o tempo era um grande cachet, mesmo tendo em consideração que chegava a ter seis sessões diárias.
Entre os muitos artistas que frequentavam assiduamente o «Valente das Farturas», que se tornara o palco onde eu dava livre curso ao meu íntimo desejo de cantar, contavam‑se dois artistas de grande cartel na época, que trabalhavam no Teatro Maria Vitória, que eram o Alberto Ghira e a Hortense Luz, e certo dia vieram falaram comigo, convidando‑me a ir para o teatro. Mas eu ganhava ali muito bem, embora o teatro fosse a minha grande paixão, eu não ia trocar o certo pelo duvidoso. Foi, pois, embora contrariada, que lhes disse que não aceitava.
O Alberto Ghira ainda voltou a insistir, mas continuei a recusar, com o mesmo fundamento de que me sentia ali bem e ganhava uma pequena fortuna, mas disse logo que no dia em que deixar de trabalhar aqui irei para o Teatro, se ainda me quiserem lá.
E, assim, se gorou a primeira grande oportunidade para eu entrar para o Teatro de Revista e dele fazer o centro da minha actividade artística.
Como já tive oportunidade de frisar, também no «Valente das Farturas», tal como acontecera, anteriormente, no Cinema em que actuei em fim de festa, mantive‑me dois anos consecutivos, merecendo sempre, devo reconhecê‑lo, o carinho do público, que aliás eu fazia por manter, dando tudo quanto tinha dentro de mim, sempre que cantava, o que acontecia, como também já disse, muitas vezes em cada dia.
Mas certo dia tive mesmo que parar de cantar, porque tive uma grande constipação nas cordas vocais que me pôs bastante «à rasca», durante mais de um ano. Foi com imensa tristeza, pois como já sabem, o cantar era o maior gosto da minha vida, e além disso tinha passado a ser a minha fonte de subsistência (4).
(4) Estava‑se em finais de 1926 e Hermínia estava grávida; seu filho Mário Silva vem a nascer em 9 de Abril de 1927.
POR FIM O TEATRO DE REVISTA
Quando, finalmente, recuperei da doença, roidinha de saudades de cantar e do contacto com o meu querido público, que sempre me acarinhara, fui trabalhar para uma Sociedade de Recreio que, se não estou em erro, era o «Comando-Geral». Foi aí que, certo dia, o conhecido empresário Macedo e Brito me abordou, dizendo‑me que, conhecendo o meu valor achava que eu devia voltar era a cantar. Prometeu‑me que me ia arranjar uma entrevista com o empresário de teatro António de Macedo.
Passados poucos dias confirmou‑me a marcação da entrevista; fiquei entusiasmada, não podia perder esta nova oportunidade de ingressar no Teatro, que era o sonho doirado da minha vida, e logo fui falar com o António Macedo, que me contratou imediatamente, para actuar em fim de festa, cantando fados — claro está — na opereta «Fonte Santa» (1932).
O público voltou a corresponder inteiramente, aplaudindo‑me com simpatia, e foi graças a esse mesmo público que, logo de seguida, fui contratada para fazer uma revista, que se intitulava Feijão‑Frade (1933), que era um original de Xavier de Magalhães, Almeida Amaral e Fernando Santos. E esta foi a primeira revista em que eu entrei.
Foram assim na realidade os meus primeiros passos a sério com o teatro de revista, e a verdade é que, sem vaidade, fiz um autêntico brilharete.
De então para cá tomei parte em inúmeras revistas, assim como numas quantas operetas, e até em peças declamadas.
A minha carreira continuou, felizmente, com grandes êxitos, que, certamente, eu não merecia, mas o público me quis oferecer.
Também actuei nos estúdios da RTP, a última vez foi num dos episódios da série Os Três Saloios, protagonizada por Raul Solnado, Humberto Madeira e Emílio Correia, três valores do nosso teatro ligeiro. E devo confessar que gostei.
Tive, ao longo da minha carreira, como é natural, muitas e variadas propostas para ir ao estrangeiro, mas como sou multo «pegada» a isto.
Tenho muita relutância em sair de Portugal, eu ainda nem sequer visitei as províncias ultramarinas, apesar dos muitos convites que para o efeito me têm endereçado e do grande desejo que tenho de as conhecer.
— Fui ao Brasil, onde me demorei o menos tempo possível, aos Açores e à Madeira, onde fiz uma curta série de espectáculos.
Herminia Silva desde a sua estreia em 1932, participou em 13 operetas, 37 revistas, 2 peças declamadas e ainda em 5 filme e vários programas de televisão.
Conclusão do autor:
Hermínia, sem sombra de dúvidas, nasceu a 23 de Outubro de 1907, no Hospital de S. José, freguesia do Socorro, em Lisboa.
O episódio que contou sobre ter caído da janela à rua refere‑se decerto à rua onde sua mãe morava quando do seu nascimento, Rua do Benformoso, 53, 1.º, freguesia dos Anjos, em Lisboa.
Tudo leva a crer que sua irmã morava na Travessa das Flores, freguesia de S. Vicente de Fora, em Lisboa, enquadrando‑se assim com toda a lógica o episódio em que conta como o guitarrista Armandinho a ouviu cantar.
Hermínia Silva com Alfredo Marceneiro
Herminia Silva canta: Fado da Sina do Filme "O Ribatejo"