Fados da minha vida
O destino marca a hora, e chegou a hora de voltar às origens.
Sou natural de Alcântara, Lisboa, mas os meus bisavós paternos eram da Vila do Cadaval, (ver texto biográfico sobre meu avô).
Meu avô tendo nascido em Campo d´Ourique, Lisboa, sempre enalteceu as suas origens do Cadaval, incutindo em nós, filhos e netos também esse sentimento.
Em 24 de Abril o Município do Cadaval, lança o livro da toponímia, em que meu avô é uma das figuras relevantes, pois deram o seu nome a um largo da vila, local onde está instalada a sede da Junta de Freguesia, “Pátio Alfredo Marceneiro”. Os cadavalenses falam com muito gosto e simpatia do meu avô, sendo eu também sempre bem recebido, e onde tenho muitos amigos, amigos estes que estão imbuídos na formação da “Associação de Amizade Alfredo Marceneiro”.
Neste mesmo dia passei por uma rua com uma casa com escritos, dando-se a coincidência da proprietária estar presente, pelo que e logo ali assumi o compromisso do aluguer. O destino marca a hora e é já no dia 19 que eu e a minha família estaremos definitivamente lá instalados.
Assim este FADO dos Fados da minha vida, é um tributo à memória de meu avô, pois passarão a ser “cadavalenses” um seu neto e dois bisnetos, passados que são 122 anos após os meu bisavôs terem partido para Lisboa, mas a minha bisavó já levava no ventre (no porta bagagens como carinhosamente o meu avô dizia) a semente das minhas origens.
ESTEJAM ONDE ESTIVEREM, AVÔ, PAI E MEU SAUDOSO FILHO, SEI QUE ESTÃO CONTENTES, E QUE QUANDO ME JUNTAR A VÓS IREMOS REJUBILAR.
Viva Lisboa, Viva Campo d´Ourique, Viva Alcântara, Viva o Cadaval
Seus pais, Gertrudes da Conceição e Rodrigo Duarte, eram ambos naturais do Cadaval, descendentes de duas conhecidas famílias da região, os Coelho e os Duarte, mas gente humilde.
Amigos e companheiros de brincadeiras desde crianças atingiram a idade adolescente com a amizade transformada em amor. As perspectivas de futuro também nessa altura eram difíceis na aldeia, pelo que decidiram partir para Lisboa à procura de melhores condições de vida. Corria o ano de 1890. Gertrudes já trazia no seu ventre a semente do seu amor e mal chegam à capital casa com Rodrigo na Igreja de Santa Isabel, recebendo dos lábios do padre Santos Farinha a bênção matrimonial.
Rodrigo Duarte era mestre de corte de calçado, tendo arranjado colocação numa sapataria da Rua da Madalena e graças a esse salário consegue alugar uma pequena casa na freguesia de Santa Isabel, num prédio da Travessa de Santa Quitéria. Hoje já não existe: foi demolido para abertura da Avenida Álvares Cabral.
E foi nessa casa que nasceu para o mundo o primeiro filho do casal Duarte, no dia 29 de Fevereiro de 1888,, mas só foi possível registá-lo, por falta de posse, e foi asiim que lhe foi dado, na pia baptismal, o nome de ALFREDO RODRIGO DUARTE, pelo mesmo pároco que havia unido em casamento seus pais, mas três anos depois em 1891, como não era ano bissexto tiveram que adoptar a data de 25, e foi assim que nos registos oficiais consta que nasceu a 25 de Fevereiro de 1891.
Com o acréscimo de responsabilidades e um novo incentivo na sua vida, Rodrigo Duarte pensou em melhorar a sua situação económica e resolveu assim jogar a sua sorte estabelecendo-se por conta própria, com uma oficina de calçado na Rua de São Bento.
A vida decorreu normalmente para a família Duarte, que viu aumentar o seu lar com o nascimento de mais três filhos: o Júlio — que foi também fadista de nomeada —, o Álvaro e a Júlia, todos igualmente baptizados pelo bondoso padre Santos Farinha, na Igreja de Santa Isabel.
O pequeno Alfredo frequenta a escola primária, tendo desde cedo demonstrado uma especial aptidão para a leitura e gramática, repartindo a sua infância pelas brincadeiras no Jardim da Praça das Flores e ajudando seu pai na oficina, durante as férias escolares.
No carnaval quando as cegadas (representações teatrais populares) saíam para a rua, deliciava-se a ouvir os descantes e seguia alegremente as exibições dos actores de rua nas suas digressões pelo bairro, decorando os versos que ouvia. Chegado a casa, logo seus pais se transformavam em plateia, ouvindo com profundo deleite o génio do pequeno Alfredo.
O seu gosto pelo canto é influenciado por sua mãe que, nas descamisadas, nas romarias e nos bailaricos lá da terra, cantava que era uma delícia. No entanto, quer seu pai — que tinha pertencido à banda musical do Cadaval —, quer seu avô materno, José Coelho, transmitiram-lhe fortes influências, especialmente o segundo, que tocava guitarra e cantava fados de improviso.
Já homem feito, sempre que falava de sua mãe, recordava o seu cantar enquanto fazia a lide caseira. De entre os muitos versos populares que a ouvia entoar, um dos mais preferidos, rezava assim:
Nasci nas praias do Mar
Ás fúrias do vento irado
Tinha por berço, uma lancha
Por lençol, o Céu estrelado
© Vítor Duarte Marceneiro in “Recordar Alfredo Marceneiro” em http://alfredomarceneiro.blogs.sapo.pt