Raúl Nery fala de Maria Teresa de Noronha
A primeira vez que ouvi cantar Maria Teresa de Noronha foi nas festas que se faziam frequentemente em Alcochete, organizadas pelo José André, pai do Vítor Pavão dos Santos. Ela cantava então com o Fernando Pinto Coelho e o Abel Negrão, um guitarrista muito antigo, já desaparecido. O Pinto Coelho não era profissional, mas os dois tocaram com ela durante muito tempo. Depois o Negrão foi substituído pelo Santos Moreira, que mais tarde acompanhou a Amália. Em determinada altura, o Pinto Coelho precisou de ser substituído, e em 1944 Maria Teresa de Noronha convidou-me para acompanhá-la, por intermédio do seu namorado (e futuro marido) José António Sabrosa. Mais tarde, é convidada para uma actuação de 15 em 15 dias na Emissora Nacional. E ali tocámos até 1963. A longa permanência da Maria Teresa de Noronha na Emissora Nacional deve-se a ela não cantar em mais lado nenhum. A Emissora tinha todo o interesse em ter uma artista da craveira dela. Em geral as gravações eram da parte da tarde. Para todos os programas fazíamos um, dois ensaios. Ela gostava de preparar muito bem os números. Os fados que cantava, os fados que não conhecia… Eu é que lhe indicava os fados mais antigos, que depois trabalhava à sua maneira, e às vezes pegava e modificava fados que estavam postos de parte e que ninguém cantava. Fados que depois de gravados e editados voltaram a ser cantados. Normalmente abríamos com uma guitarrada e depois um fado. Depois mais um fado, outra guitarrada, e outro fado. Tudo acabou em 1963. Nesse dia calhou estar em estúdio, para além do Joaquim do Vale, o meu conjunto de guitarras, com quem eu também fazia uma emissão de 15 em 15 dias. E a partir daí ela não cantou mais. As pessoas disseram: “Mas então a Maria Teresa está a cantar tão bem, está no seu melhor, agora é que vai parar?”, ao que ela respondia: “Não, eu quero ir embora. Eu. Não quero que as pessoas me mandem embora.” No entanto, nesse ano fomos ainda ao Brasil, com o meu conjunto e o Joaquim do Vale, que ela não dispensava, a propósito da inauguração de duas ligações da TAP, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Por fora dos espectáculos apareciam sempre amigos e familiares que moravam lá: nos dias em que não havia espectáculos passávamos a vida a ir tocar às casas particulares. Fomos ainda a Inglaterra, a convite do embaixador. Fizemos um programa de televisão com uma orquestra enorme, e eles ficaram impressionadíssimos por conseguirmos acompanhá-los. A Teresa de Noronha parava quando queria mas fazia tudo tão certo que eles não percebiam como era possível…
Podia ter tido uma grande carreira internacional, mas não quis, apesar de inúmeros convites. Mesmo estas viagens não faziam parte de nenhuma estratégia, eram apenas convites particulares que ela aceitava por um pequeno cachet, ou até cachet nenhum. Ela era muito simpática e muito cordial, mas sempre um pouco afastada das pessoas, embora frequentasse algumas casas de fado. Por exemplo, em geral ia jantar muito ao Faia, que era a casa da Lucília do Carmo e do seu filho Carlos do Carmo, e pediam-lhe para cantar. Preparavam-se as coisas de modo a que estivesse lá o Alfredo Marceneiro, que ela gostava muito de ouvir, e que por sua vez era um grande admirador dela. O seu marido tocava – não era profissional, mas tinha o seu estilo, uma certa garra – e arranjavam-se ali uns momentos de fado especiais quando já era final da noite. Que, como sabemos, são sempre os melhores momentos, porque até aí toca-se para os turistas.
Há uma coisa de que eu discordo totalmente e que algumas pessoas afirmam existir: o “fado aristocrático”. Não sei o que é isso. A Teresa de Noronha cantava muito bem, principalmente os fados antigos - o corrido, o menor, o Mouraria, dois tons, os castiços… -, mas porque nasceu com ela, não por ser uma aristocrata. Ela improvisava, modificava, trabalhava muito as melodias, e daí nasciam coisas diferentes. Estilava muitíssimo bem, tinha um cuidado muito especial em preparar as actuações. Ela e a Amália são as maiores fadistas. E não posso dizer que uma seja melhor que a outra.
Sinto falta da Teresa de Noronha. Não era uma pessoa imitável.
E não deixou descendentes.
OS TEUS OLHOS
Letra de Maria da Graça F. Amaral
Música de Carlos da Maia
Por esse mundo de Cristo
Há olhos grandes aos molhos
Mas em nenhuns tenho visto
A grandeza dos teus olhos
Dizes que para estar comigo
Não galgas montes nem escolhos
Guarda as palavras contigo
Deixa falar os teus olhos
E se me levar a morte
Por sua estrada de abrolhos
Que pena não ter a sorte
De ver chorar os teus olhos