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Associação Cultural de Fado

"O Patriarca do Fado"
Sexta-feira, 30 de Julho de 2010

Maria Teresa de Noronha

 

Raúl Nery fala de Maria Teresa de Noronha

 

A primeira vez que ouvi cantar Maria Teresa de Noronha foi nas festas que se faziam frequentemente em Alcochete, organizadas pelo José André, pai do Vítor Pavão dos Santos. Ela cantava então com o Fernando Pinto Coelho e o Abel Negrão, um guitarrista muito antigo, já desaparecido. O Pinto Coelho não era profissional, mas os dois tocaram com ela durante muito tempo. Depois o Negrão foi substituído pelo Santos Moreira, que mais tarde acompanhou a Amália. Em determinada altura, o Pinto Coelho precisou de ser substituído, e em 1944 Maria Teresa de Noronha convidou-me para acompanhá-la, por intermédio do seu namorado (e futuro marido) José António Sabrosa. Mais tarde, é convidada para uma actuação de 15 em 15 dias na Emissora Nacional. E ali tocámos até 1963. A longa permanência da Maria Teresa de Noronha na Emissora Nacional deve-se a ela não cantar em mais lado nenhum. A Emissora tinha todo o interesse em ter uma artista da craveira dela. Em geral as gravações eram da parte da tarde. Para todos os programas fazíamos um, dois ensaios. Ela gostava de preparar muito bem os números. Os fados que cantava, os fados que não conhecia… Eu é que lhe indicava os fados mais antigos, que depois trabalhava à sua maneira, e às vezes pegava e modificava fados que estavam postos de parte e que ninguém cantava. Fados que depois de gravados e editados voltaram a ser cantados.                   Normalmente abríamos com uma guitarrada e depois um fado. Depois mais um fado, outra guitarrada, e outro fado. Tudo acabou em 1963. Nesse dia calhou estar em estúdio, para além do Joaquim do Vale, o meu conjunto de guitarras, com quem eu também fazia uma emissão de 15 em 15 dias. E a partir daí ela não cantou mais. As pessoas disseram: “Mas então a Maria Teresa está a cantar tão bem, está no seu melhor, agora é que vai parar?”, ao que ela respondia: “Não, eu quero ir embora. Eu. Não quero que as pessoas me mandem embora.” No entanto, nesse ano fomos ainda ao Brasil, com o meu conjunto e o Joaquim do Vale, que ela não dispensava, a propósito da inauguração de duas ligações da TAP, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Por fora dos espectáculos apareciam sempre amigos e familiares que moravam lá: nos dias em que não havia espectáculos passávamos a vida a ir tocar às casas particulares. Fomos ainda a Inglaterra, a convite do embaixador. Fizemos um programa de televisão com uma orquestra enorme, e eles ficaram impressionadíssimos por conseguirmos acompanhá-los. A Teresa de Noronha parava quando queria mas fazia tudo tão certo que eles não percebiam como era possível… 

Podia ter tido uma grande carreira internacional, mas não quis, apesar de inúmeros convites. Mesmo estas viagens não faziam parte de nenhuma estratégia, eram apenas convites particulares que ela aceitava por um pequeno cachet, ou até cachet nenhum. Ela era muito simpática e muito cordial, mas sempre um pouco afastada das pessoas, embora frequentasse algumas casas de fado. Por exemplo, em geral ia jantar muito ao Faia, que era a casa da Lucília do Carmo e do seu filho Carlos do Carmo, e pediam-lhe para cantar. Preparavam-se as coisas de modo a que estivesse lá o Alfredo Marceneiro, que ela gostava muito de ouvir, e que por sua vez era um grande admirador dela. O seu marido tocava – não era profissional, mas tinha o seu estilo, uma certa garra – e arranjavam-se ali uns momentos de fado especiais quando já era final da noite. Que, como sabemos, são sempre os melhores momentos, porque até aí toca-se para os turistas.

                Há uma coisa de que eu discordo totalmente e que algumas pessoas afirmam existir: o “fado aristocrático”. Não sei o que é isso. A Teresa de Noronha cantava muito bem, principalmente os fados antigos - o corrido, o menor, o Mouraria, dois tons, os castiços… -, mas porque nasceu com ela, não por ser uma aristocrata. Ela improvisava, modificava, trabalhava muito as melodias, e daí nasciam coisas diferentes. Estilava muitíssimo bem, tinha um cuidado muito especial em preparar as actuações. Ela e a Amália são as maiores fadistas. E não posso dizer que uma seja melhor que a outra.         

Sinto falta da Teresa de Noronha. Não era uma pessoa imitável.

E não deixou descendentes.  

 

 

OS TEUS OLHOS

Letra de Maria da Graça F. Amaral

Música de Carlos da Maia

 

Por esse mundo de Cristo

Há olhos grandes aos molhos

Mas em nenhuns tenho visto

A grandeza dos teus olhos

 

Dizes que para estar comigo

Não galgas montes nem escolhos

Guarda as palavras contigo

Deixa falar os teus olhos

 

E se me levar a morte

Por sua estrada de abrolhos

Que pena não ter a sorte

De ver chorar os teus olhos

 

 

Licença Creative Commons
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional, assim como registo na Sociedade Portuguesa de Autores, sócio nº 125820, e Alfredo Marceneiro é registado como marca nacional no INIP, n.º 495150.
música: Os teus Olhos
publicado por Vítor Marceneiro às 16:17
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4 comentários:
De David a 31 de Julho de 2010 às 01:55
amigo vítor, isto é de ouro
De Sara a 1 de Agosto de 2010 às 11:15
É uma das fadistas que mais aprecio. Tem uma candura na voz inigualável. Interpretava fados na perfeição e pelo seu cantar já se denotava uma enorme sensibilidade.
Obrigada por este artigo Vítor.
De JoseFins a 18 de Junho de 2012 às 13:24
Felicito o Vitor, (que não tive ainda o prazer de conhecer pessoalmente), pelo seu blog, que descobri há poucos minutos, mas em boa hora!!..
O Fado, os Fadistas, Guitarristas, Poetas, Lisboa.. merecem isto, e muito mais!!..
Saudações fadistas.
ZéFins
De Vítor Marceneiro a 18 de Junho de 2012 às 21:00
Obrigado pelas suas simpáticas palavras.
Um abraço
Vítor Marceneiro

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