Artista versátil, José Inácio, cantava Fado e tocava também guitarra, podia ter sido, se quisesse, um bom executante deste instrumento, mas foi a viola que sempre o interessou mais e é como violista que atingiu o lugar que ocupou entre os melhores da sua geração.
Era funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, mas nunca deixou de actuar assiduamente nas casas típicas: Retiro dos Marialvas, Café Salvaterra , Patrício, Lobos do Mar, Tradição e Pampilho (Calçada de Carriche); no Retiro da Bairrada (Benfica), na Parreirinha do Rato e na Nau Catrineta, esteve várias vezes na Viela, no Solar da Hermínia e na Tipóia, passou também pelo Ritz Club, pelo Cristal e pelo Olímpia.
Em 1979 acompanhou Cidália Moreira numa digressão à Alemanha, em que aquela artista obteve um dos seus maiores êxitos cantando num castelo romântico perto de Hamburgo, na festa internacional de uma empresa vinícola alemã.
Durante alguns anos actuou em Cascais, tocando em casas como o Galito, Arreda, Tabuinhas e Kopus Bar.
Ao longo da sua vida de instrumentista emparceirou com os mais diversos guitarristas. Gravou discos a acompanhar vozes e a executar guitarradas, tendo sido um dos violistas preferidos de José Nunes, que muito o apreciava. Dotado como compositor, são da sua autoria os fados Maria Sozinha, A Malva Rosa e Velha Capa (letras de Linhares Barbosa), Moda Fadista (letra de Luís Simão), Foi Hoje (letra de Raul Dias), Adeus, Tentação! (letra de Jorge Rosa), Fado Augusta (quadras), Fado Rina (quintilhas), Fado Galeno (sextilhas) e Fado Dinora (decassílabos), etc. Compôs também, entre outras, as seguintes variações: Dança Portuguesa, Retalhos Clássicos, Dança Gitana, Oração, Rapsódia Portuguesa (arranjo com números seus intercalados) e Marcha Militar.
Conhecidíssimo no meio fadista, onde é estimado pelo seu temperamento bonacheirão, José Inácio é também figura familiar do Bairro Alto, que habita desde criança e que, popular como ele o é, faz parte da sua própria existência.
José Inácio estará sempre ligado á minha experiência de cantar o Fado, embora já o tenha explicado aqui, mas permitam que repita o que se passou:
… Corria o ano de 1966, tinha cerca de 21 anos, fiz uma pausa nos bailaricos e outros «poisos» e comecei a frequentar o fado amador, que praticamente desconhecia, pois, até essa altura, costumava acompanhar o meu avô e o meu pai às casas tradicionais.
Certo dia, uns amigos convidaram-me para uma noite de fados no Galito, que ficava no Estoril. Lá fui e, como é lógico entre os frequentadores habituais, ao saberem de quem eu era filho e neto, logo pensaram que havia mais um para cantar.
… Ora eu não cantava. Para ser sincero, com muita pena minha, achava que não conseguia e, para «meter água», era melhor estar calado. Isto porque tinha a noção da responsabilidade de ser filho e neto de quem era.
Mas a rapaziada estava sempre a apertar comigo (este gajo é filho de fadistas e não canta?), alguns até aventavam a hipótese de que eu não cantava porque tinha a mania de que era bom de mais para cantar ali! Mal sabiam eles a pena que eu tinha de sentir que não era capaz.
Certa noite, por insistência do Zé Inácio, grande executante de viola, mas que, na altura, fazia o acompanhamento à guitarra, acompanhado à viola pelo «Pirolito da Ericeira», começaram a dedilhar a Marcha do Marceneiro, o Zé Inácio começou a desafiar-me, era no princípio da noite, não havia ainda muitos clientes, timidamente comecei a entoar o poema Amor é Água Que Corre (eu nem calculava que, afinal, sabia o poema todo). Parece que não saiu muito mal, recordo que o tom em que cantei foi Fá (hoje canto em So/); no final, o Zé Inácio disse-me:
— Como vês, é preciso não ter medo, perder a vergonha e, a partir de agora, ir praticando.
Tomei-lhe o gosto e, durante algum tempo, só cantava este fado. Foi ainda com a ajuda do Zé Inácio que comecei a ensaiar e a cantar outros poemas, mas cantava sempre letras e músicas do repertório do meu avô.
© Vítor Duarte Marceneiro