Ser Mais Um Entre Tantos
Letra de: Artur Ribeiro
Música de: Alfredo Marceneiro
Ser mais um entre tantos
Não é Mundo que baste
Seguir religiões
Das quais não sou devoto
Obedecer a quantos
Me dizem que me afaste
Ouvir lamentações
A fingir que me importo
Ser vela deste mar
Onde não sopram ventos
Ser grito de rua
Que ninguém entendeu
Um sonho de cantar
Onde só há lamentos
Essa verdade nua
Que ninguém entendeu
Ser deste Mundo incrível
De gente introvertida
Que deixa pregar Santos
Onde tudo é vendido
P´ra ficar impassível
De cabeça caída
P´ra ser mais um entre tantos
Antes não ter nascido
ESTE POEMA, A MINHA GRAVAÇÃO EM DISCO E A CENSURA
Até finais dos anos cinquenta os artista tinham que ter um “Dossier” com o seu repertório aprovado pela censura, funcionava da seguinte forma, esse dossier estava sempre na posse do artista quando cantava em casa de fado ou noutros espectáculos públicos.
Algumas censuras eram tão estúpidas que veja que até que a Casa da Mariquinhas foi censurada.
Com já afirmei tive o privilégio de conhecer e ser admirador desde muito miúdo de Artur Ribeiro, na altura em que a minha formação de cidadão consciente da sociedade em que vive começa a "querer respostas",tive muitas conversa com Artur Ribeiro, sei que de letras dele que nem sequer chegou a registar, pois sabia que não passavam na censura.
No inicio dos anos setenta deixa de haver a censura prévia, mas continua haver a repressão após a Gravação (ou seja, já depois de editado e muitas vezes já à venda ao público), podia haver um senhor (da DGS ou mesmo da EN) que por alguma razão achava que o que estava a ouvir era contra os valores instituídos, e a DGS mandava retirar todo o material do mercado.
Artur Ribeiro em 1973 faz-me um poema que afirmou ser a forma como me via pelas conversas e discussões que tinha com ele, e gravei esse número para Valentim de Carvalho, tinha o título: "Ser mais um entre tantos" , acontece, que passado pouco tempo do seu lançamento fui gentilmente convidado pelo Sr. Inspector Dr. Rosa Casaco (1), para ter uma conversa comigo sobre esse tema ( que considerava ser contrário á ordem vigente).
No caso do poema do Artur Ribeiro. o que incomodava os Censores era esta frase, "Seguir religiões das quais não sou devoto..." e "Ser deste Mundo incrível, que deixa pregar Santos", enfim como podem verificar estes versos estavam dentro do contexto de todo o poema. Com algum charme e persuasão consegui demo-vê-los da retirada do disco., mas acabou por ser proibido de ser passado na Rádio Renascença e na Emissora Nacional.
(1): Rosa Casaco, (Amador de fotografia e conhecedor da poda) era cliente assíduo da Foto-Cine, no Chiado junto ao elevador de Stª Justa, onde eu pela minha paixão pela fotografia lá estava assiduamente pois o Amadeu Ferrari, os filhos Vítor Ferrari e Nuno Ferrari eram amigos do meu avô e eu era considerado como de família, lá fui apresentado como neto de Alfredo Marceneiro ao PIDE Dr. Rosa Casaco, que me confidenciou que era admirador de meu avô, mas que não gostava de alguns dos Fados que ele cantava, e sempre que me encontrava me cumprimentava com cerimónia ) facto porque esta chamada de atenção foi mais em termos de aviso … Cuidado não se exceda) aliás mais tarde também fui chamado quando gravei com meu avô em dueto “ O Camponês e o Pescador” ver em:
https://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/victor-duarte-discos-e-censura-330996
https://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/recordar-o-passado-para-viver-o-futuro-102684
©Vitor Duarte Marceneiro