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Associação Cultural de Fado

"O Patriarca do Fado"
Terça-feira, 1 de Dezembro de 2009

Alfredo Marceneiro é só Fado... RTP 1969

Faz hoje 40 anos que o 1º Programa de Televisão sobre a figura de Alfredo Marceneiro, foi transmitido.

 Alfredo Marceneiro canta no Programa da RTP em 1969

É tão bom ser pequenino

Letra: Carlos Conde

Música: Fado Corrido

 

 

Diário de Lisboa 2 de Dezembro de 1969 por Mário Castrim:

 

DUAS HORAS DE FADO. OS PORTUGUESES NÃO SÃO APENAS «CASTOS»: SÃO TAMBÉM RESISTENTES

 

Marceneiro, o Marceneiro fadista, chegou aos 77 anos para ter na Televisão portuguesa um programa dedicado à sua arte de «dizer» o fado. Tardou mas arrecadou — se tivermos em atenção o tempo do programa: duas horas onde muito o ouvimos cantar e alguma coisa (contrafeitamente) o ouvimos falar. «Marceneiro é só fado» e era uma canastra com um quarteirão de cantigas alfacinhas. A meia-noite, que soou precisamente no fim, marcou mais do que o fim do programa: marcou o fim de um fadista; marcou o fim de uma escola, marcou o fim de uma época…

Tardou — e não arrecadou. Marceneiro aos 77 anos não é mais do que uma sombra de si próprio. Ele já não pode sustentar uma «volta», manter a décima do corrido sem vir acima respirar, «swingar» de forma convincente como só ele sabia desdobrar, prolongar, alongar uma palavra para além dela própria, segurar o fim do versos quando já todos pensavam que o verso havia acabado. Aos 77 anos isso já não é possível. Quando muito é possível exemplificar o processo. Foi o que fez Alfredo Marceneiro. De pouco mais se pode entender o programa dedicado ao fadista para além da sua homenagem. Homenagem quase póstuma. O Marceneiro na plena posse das suas qualidades, passo à história. É, como se costuma «dizer uma relíquia».

 

II

 

O programa não foi longo: foi comprido. Um deserto com os oásis das interpretações do Marceneiro. Os mesmos tiques repetido exaustivamente: o fumo, a noite, a mesa com os amigos, as figuras indistintas a moverem-se na semi-obscuridade, a assistência falsamente entusiasmada.

Da pessoa de Marceneiro, da sua pessoa em vivo, quase nada chegou até nós. Os grandes planos tiveram piedade do real. Mas a verdade pode ser piedosa, pois se nega como verdade. Raramente o fadista foi apanhado desprevenido e a culpa não poderá ser levada á conta da extrema prudência do homenageado Alfredo Duarte teve de enfrentar num cerimonial inibidor. Para um homem tímido e sempre em guarda, aquele microfone apontado por Henrique Mendes assu­mia o aspecto de uma arma em posição de «a bolsa ou a vida». Henrique Mendes não conversou: perguntou. Marceneiro é dos que sabem conversar,  não dos que sabem responder.  O choque só podia resultar no desfasamento a que assistimos.

Tudela, que nos deu algumas reportagens tão curiosas,  não conseguiu imprimir um mínimo de interesse, de autenticidade, ás imagens que escolheu para enquadrar o fadista ou para acompanhar as suas interpretações. A realização de Luís Andrade foi excessivamente primária excessivamente «meia bola e força». Não se pode fazer uma obra de arte apenas como o saber burocraticamente adquirido. É preciso ir além: pôr em tudo o que se faz o que se aprendeu e o que não se aprendeu, especialmente isto. Isto, ou seja: o que faz a riqueza, o lume a razão de um Augusto Cabrita, a sua capacidade para apanhar, num golpe de asa, perdão num golpe de câmara, o apontamento significativo, o gesto inicial.

Na criação artística (como em qualquer aspecto de criação) não pode haver pressa. Não pode haver prazos marcados. Não se apressem não vale a pena: todos nãos precisamos de nove meses para nascer. O caçador tem de, pacientemente,  aguardar o instante, aquele instante, e não outro mais nenhum, de puxar o gatilho revelador.

Aparentemente ordenadinho e arrumadinho o documentário sobre resultou em verdadeira compota. Quantas vezes nos veio à memória o filme «Belarmino» com as suas expressões que ultrapassavam as palavras, com os seus silêncios a formar com as palavras um corpo único…

 

III

 

É verdade: não se compreende muito bem a inclusão de Amália Rodrigues, com tamanha insistência, no documentário-espectáculo. Para quê a concorrência no estrelato? Para quê dois galos na mesma capoeira? Se a festa era do Marceneiro que foi lá a Amália fazer? Não é situação agradável nem para um nem para o outro. Alguém se recorda de Marceneiro em qualquer das telefitas dedicadas à Amália Rodrigues? Será que nos domínios do Fado nada se poderá fazer sem o beneplácito ou a bênção da suserana?

 

Em 16 de Abril de 2007, numa página que escrevi sobre a saudosa Lucília do Carlos, escrevi o seguinte:

Sempre tive por Lucília do Carmo, desde muito miúdo, uma ternura muito especial, devido não só à sua simpatia para comigo, mas também pela grande amizade que ela e seu companheiro, Alfredo de Almeida, tiveram com o meu avô, o que era recíproco.
No início da abertura da Adega da Lucília, os tempos eram difíceis e Marceneiro nunca deixou de aparecer e colaborar, o que contribuiu para o êxito da casa, mesmo sem  nunca ter ser sido contratado.
Mais tarde, com a passagem para “O Faia”, Marceneiro era presença obrigatória ao final da noite, que passa a ser o seu “poiso” preferido, o que se torna do conhecimento dos seus admiradores que ali afluem na mira de o ouvir cantar, o que sempre acontecia, também sem que nunca tenha contratado. Carlos do Carmo começa a interessar-se pelo Fado e tem ali à mão de semear o Mestre. Inteligentemente sabe ouvir e assimila. Afirmo-o porque sei e o próprio muitas vezes, também o afirmou. Carlos do Carmo grava em disco com a benesse de Marceneiro, alguns dos seus fados mais emblemáticos - Fado Bailado, A Viela, etc. -.
Após a realização do documentário “Marceneiro é só Fado” para RTP, e cujos interiores foram filmados n’O Faia, e em que Carlos do Carmo se assume como produtor, Marceneiro deixa de entrar n’O Faia, porque alguém lhe diz que seria considerado “persona non grata”. [Um dia contarei estes acontecimentos, que eu esperava que fossem contados por outros, que não por mim, mas há uma quantidade de investigadores e conhecedores do Fado que infelizmente só falam quando têm público que não os poderá contestar].
A amizade com a Lucília mantém-se como sempre e talvez mais reforçada! (estranho?...) Lucília que não tem nada a ver com o assunto, mas que muito a magoa, e como deixa de ter como já vinha sendo hábito hà vários anos, o amigo Marceneiro a seu lado no (seu?) restaurante, visita-o na sua casa pelo menos de 15 em 15 dias sempre ao final da tarde, levando sempre um miminho, quer para ele, quer para a minha avó, a “Ti Judite”.
No último ano da sua vida, meu avô fica acamado e Lucília até à hora da sua morte não deixa de o visitar semanalmente.
Continuei a conviver com a Lucília do Carmo quer depois do falecimento do meu avô, quer após a sua retirada artística.
Guardo uma recordação de grande ternura por esta grande Mulher (com M maiúsculo).
Infelizmente não pude retribuir-lhe, quando ficou acamada as visitas que fez ao meu avô, por pedido do filho. [Uma história para também contar mais tarde].
Lucília morre e infelizmente estou fora de Portugal.
Acabo se me permitem com um ditado popular que o meu avô incutiu no meu espírito e na minha formação, e acho que tenho dado mostras que não me esqueci: “QUEM MEUS FILHOS BEIJA MINHA BOCA ADOÇA”,   Lucília do Carmo tem um lugar muito especial no meu coração.
Vítor Duarte (Marceneiro)

 

Licença Creative Commons
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional, assim como registo na Sociedade Portuguesa de Autores, sócio nº 125820, e Alfredo Marceneiro é registado como marca nacional no INIP, n.º 495150.
música: É tão bom ser pequenino
publicado por Vítor Marceneiro às 00:00
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