Destaques:
Ser ou ser «Amalista»!
Os intelectuais não gostam de Fado!...
Amália a cantar no Luso (anos 40)
Amália!...
Noel de Arriaga tinha um amigo, de seu nome Nuno António, é um intelectual, uma autêntica enciclopédia ambulante, mas não gosta de fado. Certo dia, em que se encontravam no café do costume, começaram a divagar sobre diversos temas com era habitual, mas o Noel de Arriaga nem deu pelo passar do tempo, o que acontecia com frequência quando ambos começavam a conversar, mas nesse dia...
Adorava continuar a ouvir-te amigo Nuno António, mas vou... não vale a pena dizer-te onde.
Alguma conquista...
Qual! Conquistado já eu ando por esta comédia da vida... Então?
Vais-te rir. Eu sei que és contra o Fado. Vou ouvir a Amália!
A Amália?! A Amália Rodrigues?!...
Sim, já ouvi....... E vais tu ao Bairro Alto ouvir a Amália! És espantoso!
Serei, Nuno. Não quero discutir. Mas o que hei-de fazer esta noite? E depois... A Amália...
Empresto-te um livro sobre o Fado! Muito interessante! Muito mais útil! Ficarás a saber que o Fado é a canção dos vencidos além de ser, é claro o pior livro desse poeta que podia ser um grande poeta: o Régio...
A canção dos vencidos! Mas, ó Nuno, é tão bom a gente às vezes sentir-se vencido...
Porque talvez nunca te tivesses sentido vencedor! Nietzche dizia...
Alto! Alto! Deixa lá o que dizia o Nietzche e anda ouvir a Amália...
Ouvir a Amália?! Perder tempo?! Endoideceste!
Mas porquê?! És uma pessoa como outra qualquer!
Sou contra o fado.
Porque nunca o ouviste...
Não interessa sou «á priori» contra o Fado. Não posso, não quero gostar de Fado!
E da Amália?
Nunca a vi!
Vais conhecê-la hoje...
O Fado é, como te disse, a canção dos vencidos. Isto quando é verdadeiro Fado. Aquele que se canta, ou se cantava no tempo da Severa, pela Mouraria com toda a decadência. Com todo o seu «vicio». Mas esse porque é dos vencidos, odeio-o. O outro, o que passou aos salões, deixou de ser Fado para ser ( o que é talvez pior) uma manifestação inferior de arte...
Sabes qual é a origem do Fado?
Segundo estudos que fiz, deriva das canções que os negros das docas trouxeram de África...
Não ouso duvidar. Mas pago-te o bilhete e vens ouvir a Amália... Fixe?
E se os meus satélites intelectuais me encontram a ouvir o Fado? Que rombo!...
Dizes que fui eu que te arrastei...
Pois bem: vou abrir uma primeira e última excepção! Estás contente?
Vês como por vezes é bom a gente sentir-se vencido?...
E o meu amigo Nuno António foi comigo até ao Bairro Alto. Parecia triste por ter acedido ao meu convite. Ele que saía sempre vencedor das lutas com o mundo e consigo próprio, deixara-se arrastar como qualquer menino fútil! Porque fora aquilo? Não sabia. Sentamo-nos. Subitamente, a luz desce mais. Um foco luminoso perturba a escuridão. Ouvem-se palmas! E os primeiros acordes, numa espiral doirada, deslizam pela sala como ondas de veludo.
No seu vestido negro, Amália, a os olhos sonhadores, parece o sonho dos seus próprios olhos!
Em movimentos nostálgicos, transportada a um mundo de sentimento e fadiga, ela vai colorindo de harmonioso ritmo aqueles versos tristes - tristes como as caravelas que nos seus olhos naufragam.
E a sua voz, onde a fatalidade da Raça parece gravar dolorosos sulcos de serena transição, é como um gorjeio de ave, é como um sonho de amor por outro amor vencido.
A pouco e pouco a luz tinge de claridade intensa o ambiente festivo do salão. E as pétalas sedentas de uma rosa, lançadas por mão anónima, despedaçam-se contra a fascinação telepática do tablado....
O meu amigo Nuno António olhou para mim com um ar de horrível indiferença. Era impossível ler-lhe dentro da alma. O Nuno António jazia impenetrável! Apenas à saída lhe perguntei:
Gostaste?
De quê? Da Amália. De que há-de ser?
Da Amália ou dos fados?
De ambas as coisas.
Continuo a ser, por princípio, contra o Fado. Quanto á Amália... No palco todas as mulheres são bonitas...
E não consegui arrancar-he mais uma palavra. Positivamente, ele não era um... «amalista»!...
Na noite seguinte fui novamente aquele salão do Bairro Alto. A mesma ansiosa expectativa! O mesmo ruidoso triunfo! Depois de eclodir a última palma, olhei em torno de mim. E... podes abrir a boca, leitor fiel e amigo, num grande ah! De justificadíssimo espanto.
Quase a meu lado, o Nuno António, o enciclopédico Nuno António - o queixo apoiado na concha da mão esquerda, arremessava os olhos pelo tablado dentro! Depois, num entusiasmo que eu lhe desconhecia, começou a bater sonoras palmas! E desta vez foi o Nuno António que, num gesto irreflectido fez despedaçar, esquecido da sua integração nos sistemas botânicos, as pétalas sedentas de uma rosa contra a fascinação telepática daquela voz ardente...
in: Voz de Portugal 1954
Amália no Luso rodeada de amigos e admiradores (anos 50)
Destaques:
Ser ou ser «Amalista»!
Os intelectuais não gostam de Fado!...
Amália!...
Noel de Arriaga tinha um amigo, de seu nome
Adorava continuar a ouvir-te amigo
Alguma conquista...
Qual! Conquistado já eu ando por esta comédia da vida... Então?
Vais-te rir. Eu sei que és contra o Fado. Vou ouvir a Amália!
A Amália?! A Amália Rodrigues?!...
Sim, já ouvi....... E vais tu ao Bairro Alto ouvir a Amália! És espantoso!
Serei, Nuno. Não quero discutir. Mas o que hei-de fazer esta noite? E depois... A Amália...
Empresto-te um livro sobre o Fado! Muito interessante! Muito mais útil! Ficarás a saber que o Fado é a canção dos vencidos além de ser, é claro o pior livro desse poeta que podia ser um grande poeta: o Régio...
A canção dos vencidos! Mas, ó Nuno, é tão bom a gente às vezes sentir-se vencido...
Porque talvez nunca te tivesses sentido vencedor! Nietzche dizia...
Alto! Alto! Deixa lá o que dizia o Nietzche e anda ouvir a Amália...
Ouvir a Amália?! Perder tempo?! Endoideceste!
Mas porquê?! És uma pessoa como outra qualquer!
Sou contra o fado.
Porque nunca o ouviste...
Não interessa sou «á priori» contra o Fado. Não posso, não quero gostar de Fado!
E da Amália?
Nunca a vi!
Vais conhecê-la hoje...
O Fado é, como te disse, a canção dos vencidos. Isto quando é verdadeiro Fado. Aquele que se canta, ou se cantava no tempo da Severa, pela Mouraria com toda a decadência. Com todo o seu «vicio». Mas esse porque é dos vencidos, odeio-o. O outro, o que passou aos salões, deixou de ser Fado para ser ( o que é talvez pior) uma manifestação inferior de arte...
Sabes qual é a origem do Fado?
Segundo estudos que fiz, deriva das canções que os negros das docas trouxeram de África...
Não ouso duvidar. Mas pago-te o bilhete e vens ouvir a Amália... Fixe?
E se os meus satélites intelectuais me encontram a ouvir o Fado? Que rombo!...
Dizes que fui eu que te arrastei...
Pois bem: vou abrir uma primeira e última excepção! Estás contente?
Vês como por vezes é bom a gente sentir-se vencido?...
E o meu amigo
No seu vestido negro, Amália, a os olhos sonhadores, parece o sonho dos seus próprios olhos!
Em movimentos nostálgicos, transportada a um mundo de sentimento e fadiga, ela vai colorindo de harmonioso ritmo aqueles versos tristes - tristes como as caravelas que nos seus olhos naufragam.
E a sua voz, onde a fatalidade da Raça parece gravar dolorosos sulcos de serena transição, é como um gorjeio de ave, é como um sonho de amor por outro amor vencido.
A pouco e pouco a luz tinge de claridade intensa o ambiente festivo do salão. E as pétalas sedentas de uma rosa, lançadas por mão anónima, despedaçam-se contra a fascinação telepática do tablado....
O meu amigo
Gostaste?
De quê? Da Amália. De que há-de ser?
Da Amália ou dos fados?
De ambas as coisas.
Continuo a ser, por princípio, contra o Fado. Quanto á Amália... No palco todas as mulheres são bonitas...
E não consegui arrancar-he mais uma palavra. Positivamente, ele não era um... «amalista»!...
Na noite seguinte fui novamente aquele salão do Bairro Alto. A mesma ansiosa expectativa! O mesmo ruidoso triunfo! Depois de eclodir a última palma, olhei em torno de mim. E... podes abrir a boca, leitor fiel e amigo, num grande ah! De justificadíssimo espanto.
Quase a meu lado, o
in: Voz de Portugal 1954