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Associação Cultural de Fado

"O Patriarca do Fado"
Sexta-feira, 10 de Outubro de 2014

AMÁLIA... ser ou não ser Amalista

Destaques:

Ser ou ser «Amalista»!

Os intelectuais não gostam de Fado!...

 

                             Amália a cantar no Luso (anos 40)

 

 

Amália!...

 

 

Noel de Arriaga tinha um amigo, de seu nome Nuno António, é um intelectual, uma autêntica enciclopédia ambulante, mas não gosta de fado. Certo dia, em que se encontravam no café do costume, começaram a divagar sobre diversos temas com era habitual, mas o Noel de Arriaga nem deu pelo passar do tempo, o que acontecia com frequência quando ambos começavam a conversar, mas nesse dia...

Adorava continuar a ouvir-te amigo Nuno António, mas vou... não vale a pena dizer-te onde.

Alguma conquista...

Qual! Conquistado já eu ando por esta comédia da vida... Então?

Vais-te rir. Eu sei que és contra o Fado. Vou ouvir a Amália!

A Amália?! A Amália Rodrigues?!...

Sim, já ouvi....... E vais tu ao Bairro Alto ouvir a Amália! És espantoso!

Serei, Nuno. Não quero discutir. Mas o que hei-de fazer esta noite? E depois... A Amália...

Empresto-te um livro sobre o Fado! Muito interessante! Muito mais útil! Ficarás a saber que o Fado é a canção dos vencidos além de ser, é claro o pior livro desse poeta que podia ser um grande poeta: o Régio...

A canção dos vencidos! Mas, ó Nuno, é tão bom a gente às vezes sentir-se vencido...

 Porque talvez nunca te tivesses sentido vencedor! Nietzche dizia...

Alto! Alto! Deixa lá o que dizia o Nietzche e anda ouvir a Amália...

Ouvir a Amália?! Perder tempo?! Endoideceste!

Mas porquê?! És uma pessoa como outra qualquer!

Sou contra o fado.

Porque nunca o ouviste...

Não interessa sou «á priori» contra o Fado. Não posso, não quero gostar de Fado!

E da Amália?

Nunca a vi!

Vais conhecê-la hoje...

O Fado é, como te disse, a canção dos vencidos. Isto quando é verdadeiro Fado. Aquele que se canta, ou se cantava no tempo da Severa, pela Mouraria com toda a decadência. Com todo o seu «vicio». Mas esse porque é dos vencidos, odeio-o. O outro, o que passou aos salões, deixou de ser Fado para ser ( o que é talvez pior) uma manifestação inferior de arte...

Sabes qual é a origem do Fado? 

Segundo estudos que fiz, deriva das canções que os negros das docas trouxeram de África...

Não ouso duvidar. Mas pago-te o bilhete e vens ouvir a Amália... Fixe?

E se os meus satélites intelectuais me encontram a ouvir o Fado? Que rombo!...

Dizes que fui eu que te arrastei...

Pois bem: vou abrir uma primeira e última excepção! Estás contente?

Vês como por vezes é bom a gente sentir-se vencido?...

E o meu amigo Nuno António foi comigo até ao Bairro Alto. Parecia triste por ter acedido ao meu convite. Ele que saía sempre vencedor das lutas com o mundo e consigo próprio, deixara-se arrastar como qualquer menino fútil! Porque fora aquilo? Não sabia. Sentamo-nos. Subitamente, a luz desce mais. Um foco luminoso perturba a escuridão. Ouvem-se palmas! E os primeiros acordes, numa espiral doirada, deslizam pela sala como ondas de veludo.

            No seu vestido negro, Amália, a os olhos sonhadores, parece o sonho dos seus próprios olhos!

            Em movimentos nostálgicos, transportada a um mundo de sentimento e fadiga, ela vai colorindo de harmonioso ritmo aqueles versos tristes - tristes como as caravelas que nos seus olhos naufragam.

            E a sua voz, onde a fatalidade da Raça parece gravar dolorosos sulcos de serena transição, é como um gorjeio de ave, é como um sonho de amor por outro amor vencido.

            A pouco e pouco a luz tinge de claridade intensa o ambiente festivo do salão. E as pétalas sedentas de uma rosa, lançadas por mão anónima, despedaçam-se contra a fascinação telepática do tablado....

            O meu amigo Nuno António olhou para mim com um ar de horrível indiferença. Era impossível ler-lhe dentro da alma. O Nuno António jazia impenetrável! Apenas à saída lhe perguntei:

Gostaste?

De quê? Da Amália. De que há-de ser?

Da Amália ou dos fados?

De ambas as coisas.

Continuo a ser, por princípio, contra o Fado. Quanto á Amália... No palco todas as mulheres são bonitas...

            E não consegui arrancar-he mais uma palavra. Positivamente, ele não era um... «amalista»!...

Na noite seguinte fui novamente aquele salão do Bairro Alto. A mesma ansiosa expectativa! O mesmo ruidoso triunfo! Depois de eclodir a última palma, olhei em torno de mim. E... podes abrir a boca, leitor fiel e amigo, num grande ah! De justificadíssimo espanto.

Quase a meu lado, o Nuno António, o enciclopédico Nuno António - o queixo apoiado na concha da mão esquerda, arremessava os olhos pelo tablado dentro! Depois, num entusiasmo que eu lhe desconhecia, começou a bater sonoras palmas! E desta vez foi o Nuno António que, num gesto irreflectido fez despedaçar, esquecido da sua integração nos sistemas botânicos, as pétalas sedentas de uma rosa contra a fascinação telepática daquela voz ardente...

in: Voz de Portugal 1954

 

                  Amália no Luso rodeada de amigos e admiradores (anos 50)

 

Licença Creative Commons
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional, assim como registo na Sociedade Portuguesa de Autores, sócio nº 125820, e Alfredo Marceneiro é registado como marca nacional no INIP, n.º 495150.
Viva Lisboa: Amaliano ou Amalista
publicado por Vítor Marceneiro às 00:00
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Sábado, 14 de Novembro de 2009

AMÁLIA... ser ou não ser Amalista

Destaques:

Ser ou ser «Amalista»!

Os intelectuais não gostam de Fado!...

 

                             Amália a cantar no Luso (anos 40)

 

Amália!...

 

Noel de Arriaga tinha um amigo, de seu nome Nuno António, é um intelectual, uma autêntica enciclopédia ambulante, mas não gosta de fado. Certo dia, em que se encontravam no café do costume, começaram a divagar sobre diversos temas com era habitual, mas o Noel de Arriaga nem deu pelo passar do tempo, o que acontecia com frequência quando ambos começavam a conversar, mas nesse dia...

Adorava continuar a ouvir-te amigo Nuno António, mas vou... não vale a pena dizer-te onde.

Alguma conquista...

Qual! Conquistado já eu ando por esta comédia da vida... Então?

Vais-te rir. Eu sei que és contra o Fado. Vou ouvir a Amália!

A Amália?! A Amália Rodrigues?!...

Sim, já ouvi....... E vais tu ao Bairro Alto ouvir a Amália! És espantoso!

Serei, Nuno. Não quero discutir. Mas o que hei-de fazer esta noite? E depois... A Amália...

Empresto-te um livro sobre o Fado! Muito interessante! Muito mais útil! Ficarás a saber que o Fado é a canção dos vencidos além de ser, é claro o pior livro desse poeta que podia ser um grande poeta: o Régio...

A canção dos vencidos! Mas, ó Nuno, é tão bom a gente às vezes sentir-se vencido...

 Porque talvez nunca te tivesses sentido vencedor! Nietzche dizia...

Alto! Alto! Deixa lá o que dizia o Nietzche e anda ouvir a Amália...

Ouvir a Amália?! Perder tempo?! Endoideceste!

Mas porquê?! És uma pessoa como outra qualquer!

Sou contra o fado.

Porque nunca o ouviste...

Não interessa sou «á priori» contra o Fado. Não posso, não quero gostar de Fado!

E da Amália?

Nunca a vi!

Vais conhecê-la hoje...

O Fado é, como te disse, a canção dos vencidos. Isto quando é verdadeiro Fado. Aquele que se canta, ou se cantava no tempo da Severa, pela Mouraria com toda a decadência. Com todo o seu «vicio». Mas esse porque é dos vencidos, odeio-o. O outro, o que passou aos salões, deixou de ser Fado para ser ( o que é talvez pior) uma manifestação inferior de arte...

Sabes qual é a origem do Fado? 

Segundo estudos que fiz, deriva das canções que os negros das docas trouxeram de África...

Não ouso duvidar. Mas pago-te o bilhete e vens ouvir a Amália... Fixe?

E se os meus satélites intelectuais me encontram a ouvir o Fado? Que rombo!...

Dizes que fui eu que te arrastei...

Pois bem: vou abrir uma primeira e última excepção! Estás contente?

Vês como por vezes é bom a gente sentir-se vencido?...

E o meu amigo Nuno António foi comigo até ao Bairro Alto. Parecia triste por ter acedido ao meu convite. Ele que saía sempre vencedor das lutas com o mundo e consigo próprio, deixara-se arrastar como qualquer menino fútil! Porque fora aquilo? Não sabia. Sentamo-nos. Subitamente, a luz desce mais. Um foco luminoso perturba a escuridão. Ouvem-se palmas! E os primeiros acordes, numa espiral doirada, deslizam pela sala como ondas de veludo.

            No seu vestido negro, Amália, a os olhos sonhadores, parece o sonho dos seus próprios olhos!

            Em movimentos nostálgicos, transportada a um mundo de sentimento e fadiga, ela vai colorindo de harmonioso ritmo aqueles versos tristes - tristes como as caravelas que nos seus olhos naufragam.

            E a sua voz, onde a fatalidade da Raça parece gravar dolorosos sulcos de serena transição, é como um gorjeio de ave, é como um sonho de amor por outro amor vencido.

            A pouco e pouco a luz tinge de claridade intensa o ambiente festivo do salão. E as pétalas sedentas de uma rosa, lançadas por mão anónima, despedaçam-se contra a fascinação telepática do tablado....

            O meu amigo Nuno António olhou para mim com um ar de horrível indiferença. Era impossível ler-lhe dentro da alma. O Nuno António jazia impenetrável! Apenas à saída lhe perguntei:

Gostaste?

De quê? Da Amália. De que há-de ser?

Da Amália ou dos fados?

De ambas as coisas.

Continuo a ser, por princípio, contra o Fado. Quanto á Amália... No palco todas as mulheres são bonitas...

            E não consegui arrancar-he mais uma palavra. Positivamente, ele não era um... «amalista»!...

Na noite seguinte fui novamente aquele salão do Bairro Alto. A mesma ansiosa expectativa! O mesmo ruidoso triunfo! Depois de eclodir a última palma, olhei em torno de mim. E... podes abrir a boca, leitor fiel e amigo, num grande ah! De justificadíssimo espanto.

Quase a meu lado, o Nuno António, o enciclopédico Nuno António - o queixo apoiado na concha da mão esquerda, arremessava os olhos pelo tablado dentro! Depois, num entusiasmo que eu lhe desconhecia, começou a bater sonoras palmas! E desta vez foi o Nuno António que, num gesto irreflectido fez despedaçar, esquecido da sua integração nos sistemas botânicos, as pétalas sedentas de uma rosa contra a fascinação telepática daquela voz ardente...

in: Voz de Portugal 1954

 

                  Amália no Luso rodeada de amigos e admiradores (anos 50)

 

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Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional, assim como registo na Sociedade Portuguesa de Autores, sócio nº 125820, e Alfredo Marceneiro é registado como marca nacional no INIP, n.º 495150.
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