Amália Rodrigues
A Voz da Natureza ... A Voz do Mar
Que fluido maravilhoso nos fustigou a alma quando mais uma vez ouvimos, agora mesmo, a dulcíssima voz de Amália Rodrigues. O nosso espírito, insatisfeito pelo belo, então, perdia-se no esplêndido ambiente do Café Luso, deste pioneiro dos negócios fadistas que saltou da Avenida principesca para o Bairro Alto, este bairro de tradições, onde se encontra, moderno, convidativo e alindado a carácter, ao pé da nossa porta, numa vizinhança que é assim como que um aconchego de velhos camaradas e amigos.
Rodeada da fina-flor das artes, ciências, letras, de todos, enfim, que gostam do fado castiço e da familiaridade fadista
Amália Rodrigues cantava, mas entregava a alma a cada um dos seus ouvintes, num desdobramento bíblico? Não! Num encantamento mágico de senhora e dona dos melhores acor¬des divinos.
Se já a ouviu, leitor amigo tem de concordar connosco! Ouvir Amália Rodrigues é escutar o lado em tudo quanto ele tem de mais real: sentimento, riqueza expressiva e sensibilidade.
Como foi aquilo, não o sabemos! Não o saberemos, nun¬ca o saberemos. Quem pode entrar nas práticas do destino, quando ele encobre, com seu manto, os eleitos?
Como foi aquilo!
Quanto a nós ela terá aprendido com as ondas do Tejo, que se espreguiçam nas costas desta Lisboa encantada, falan¬do-lhe sempre, cantando-lhe sempre o fado eterno...
Só ali, acamaradando com os longe do mar, aprenderia a escala dos sons fadistas - que não tem escola... porque são vida, porque são inatos...
A voz de Amália Rodrigues é nostálgica como uma ausência, é vibrante como uma lágrima e é saudosa, muito saudosa...
Não há adjectivos que a coloquem acima do seu valor.
Mais uma vez a homenageamos, hoje, conscientes de que a alma do fado está pairando no coração desta fadista que apesar de toda a sua classe artística, tem uma grande virtude feminina: — a modéstia. Sob o seu xaile de cantadeira há uma interrogação. E essa interrogação...
O fluido mágico da sua voz fustigou-nos a alma e deixou-a, a vibrar, mas legou-nos um eco de agradável música. Nesse eco ouvimos alternadamente ora o ciciar do Oceano, no seu mistério intransponível, ora o ruído das ondas a enro¬larem-se sobre as areias — num beijo intraduzível. Ouvimos tudo quanto a natureza nos dá de mais belo: - o mar. E o mar não nos diz os seus segredos... É a natureza em todo o seu mistério. E a voz de Amália Rodrigues é bem a voz da natureza, é, sem dúvida alguma, a voz do mar... É um mistério... um dos maravilhosos mistérios fadistas...