MEMÓRIAS QUE DESTA VIDA SE CONSENTEM... (Por ARMANDO BOAVENTURA)
(O SÉCULO ILUSTRADO – Nº. 762 DE 09 DE AGOSTO DE 1952)
UMA PROFECIA DE ANTÓNIO ARROIO SOBRE O FADO QUE A FEIRA POPULAR DESMENTE...
Feira Popular, bela iniciativa do grande jornal «O Século» - e nunca «O Século» foi tão dignamente ilustrado por feito de tão são espírito de humanitarismo, ao serviço da grei e da Pátria - em prol das crianças portuguesas, como é, sua Colónia Balnear - tem, nos seus múltiplos aspectos que a tornam o único centro de atracção dos alfacinhas nesta quadra estival, um que, particularmente, nos ajuda a reviver «Memórias que desta vida se consentem»... Referimo-nos a certos «retiros populares» - reminiscência das antigas «hortas» fora de portas, mas que cabem, e bem, dentro das portas da actual vida portuguesa, que, com nobilíssimos fins de assistência social, «O Século» nos franqueia. Assim, os últimos abencerragens dos fins do século XIX e seus imediatos sucedâneos, cuja adolescência começou a ser vivida ao despontar do século XX, fazem da Feira Popular a sua «lareira do passado» - porque, aqui, além, alguma coisa lhes recorda Lisboa - «Senhora dos tempos idos»... São as típicas locandas que embora algumas com designações modernas, lembram as que existiam naquela época distante e igualmente tão discretas, que nelas se entra e delas se sai sem que o numeroso público, que aflui à Feira, se aperceba de quais se trata... Velhos venerandos fidalgos, boémios de sempre, que andavam de braço dado com D. João da Câmara, Henrique Lopes de Mendonça, Marcelino Mesquita e outros, pelo «Zé dos Pacatos» e «Águia Roxa» na estrada de Sacavém, e que assistiram nesta última «tasca», à homenagem tributada - a D. João da Câmara, na «prêmiere» da sua peça histórica «Alcácer Quibir» - onde Carlos Harrington glosou de improviso, uma quadra célebre do autor da letra de «A Portuguesa» - hoje, Hino Nacional... Raros são os que os conhecem - eles passam irrepreensíveis em suas atitudes fidalgas, como impecáveis em seus trajos, Só porque a Feira lhes proporciona durante os meses de verão matar saudades de «in illo tempore». Nomes? Para quê? Os últimos abencerragens da Lisboa antiga são os últimos a abandonar a Feira Popular da Lisboa Nova... E de quando em quando, não obstante o modernismo ruidoso dos auto-falantes, transmitindo «sambas», «emboladas» e «modinhas» do Brasil, entremeados de canções portuguesas, ainda se ouve o nosso fado o castiço, como antigamente, na mesma toada plangente com que era cantado «fora de portas» - através de Lisboa inteira. Ás vezes, parece-nos estar no Arco do Cego, nas tabernas do «António da Joana» ou do «Frade»; na Calçada do Carriche, na «Nova Sintra» ou no «Patusca»; no campo Grande, no «Quebra Bilhas» ou no «Colete Encarnado»; em Benfica, no «Caliça»; em Campolide, no «Ferro de Engomar», (depois implantado em Benfica), no «Rabicha» ou na «Tia Iria» - em típica taberna também traslada para Campo de Ourique - até aqui, pertinho da Feira actual, no popular «Zé Azeiteiro», cuja casa estava sempre aberta, de dia e de noite, como o famoso «Botin» da Plaza de los Herradores, em Madrid, onde o infante D. Afonso, o «Arreda», após o seu casamento com a princesa Nevada, costumava cear, fiel à tradição de que, naquele velho restaurante, o fogão para assar os «cochinillos» fora aceso no tempo dos Filipes e... nunca mais se apagará. Mas... vamos ao fado, mas em silêncio - sem microfones. Ainda, há dias, ouvimos o fado antigo, cantado num ambiente dos antigos «retiros» alfacinhas. E um velho fidalgo, a nosso lado, chorou de emoção - pretexto admirável a que logo nos apegámos para redigir mais uma página de «Memórias que desta vida se consentem...». Alguns dos que assistiram ao almoço típico na «Adega da Lucília», são do tempo em que o fado, vivido e cantado - sobretudo sofrido - tinha seus bairros próprios: - Alfama e Mouraria - e todos lembramos a campanha então movida, através da tuba canora da imprensa contra a «canção nacional». O que se disse e o que se escreveu!... E até a política se meteu no caso, só porque o rei D. Carlos, ainda nos seus tempos de príncipe, aprendera a tocar guitarra com o famoso João Maria dos Anjos... Um Rei fadista?... e vá de atacar o fado... Uns deram-lhe por pai o «lundum» afro-americano (a que já se referira Tolentino) e por mãe a «módinha brasileira», esquecendo que embora sem o nome de fado, a «Triste Canção do Sul», de Alberto Pimentel tinha suas fundas raízes naquele «cantar guayado» dos nossos marinheiros e homens da Ribeira e Alfama e ao qual já aludira Gil Vicente... Tudo isto nos ocorre ao ouvir, em plena Feira Popular o velho fado cantado por um velho cantador (Alfredo Marceneiro) que tem, num rapaz de 22 anos, Luís Filipe, talvez o seu melhor continuador. E não nos venham repetir o que, em 1909, escrevia o embora autorizado António Arroio, nas suas arremetidas contra o fado pois a sua doutrina definida nestas duas frases que fizeram eco: - «Sendo Portugal positivamente um doente, o fado diagnostica a doença...: «0 fado exprime o estado de inércia e inferioridade sentimental em que o nosso País está mergulhado. Há muitos anos, e do qual urge que saia»... - está inteiramente invalidada. Nunca se cantou tanto o fado, como hoje - e ainda que não lhe demos foros de «canção nacional», (que a não possuímos), a verdade é que a sua repercussão em Portugal e além fronteiras atinge as proporções duma verdadeira consagração. E no entanto, Portugal saiu daquele estado de inércia e de inferioridade sentimental da qual o insigne António Arroio dizia ser mister sair... E a prova de que o fado não «diagnosticava a doença de que Portugal sofria» está precisamente no facto do fado acompanhar a salvação do País. Portugal restaurado fez ressurgir o fado. E no fado que hoje se canta, ainda há muita coisa do fado antigo. Voltam, assim, os bons tempos de outrora...
Armando Boaventura
De: Lety Vilhena
Enviada em: terça-feira, 27 de Julho de 2010 18:04
Para: fado.em.movimento@sapo.pt
Assunto: Obras de Armando Boaventura
Sr. Vitor,
boa tarde, moro no Brasil, na cidade de Lambari -Minas Gerais, onde tenho um imóvel com algumas pinturas de Armando Boaventura, gostaria de saber mais sobre este artista, sobre sua história e obras.
Pode me ajudar?
Grata desde já pela atenção.
Paula Vilhena
Logo lhe respondi, pedindo-lhe se me enviava os trabalhos que possuía, pedido a que foi aceite, recebi fotos dos quadros, que publico com muito gosto e com um abraço para o filho do autor, Fernando Boaventura.