ESTEVÃO DA SILVA AMARANTE (1889-1951)
Tudo começou em 1900, com apenas doze anos, Amarante fez a sua estreia no “Avenida” na peça “A viagem de Suzette”, que iria conhecer as noites de maior glória.
No ano seguinte, na Avenida da Liberdade, nascia o Teatro do Infante, onde uma companhia infantil fazia o gáudio da petizada com “A história da Carochinha”. Durante três anos o pequeno Amarante é notado por entre a miudagem, pela fantasia e graça das suas interpretações.
O menino-actor era muito pobre e órfão de pai. Por isso, se de tarde fazia rir os da sua idade, à noite divertia os adultos, para ajudar ao sustento da casa. O público, ruidosamente popular que enchia os teatros embarracados das feiras de Alcântara e Algés, começou a delirar com a brejeirice e o à-vontade do rapazola e não se cansava de cantar com ele o “Toma lá cerejas”. Amarante tinha aos catorze anos, a primeira das suas inúmeras canções de sucesso.
Quando o caso constou nos teatros da Avenida, o empresário Luís Galhardo logo o contratou para repetir a cançoneta para uma plateia mais vasta mas igualmente deliciada, na revista “P'rá frente” (1906), ao lado de Júlia Mendes.
A voz agradável e a bela figura do jovem Amarante tornaram-no rapidamente admirado pelo grande público e a sua vivacidade e mocidade iam bem com a revista profundamente crítica e irreverente que brotara da liberdade conseguida em 5 de Outubro. Sempre em ascensão, medindo-se com os grandes talentos dessa época, a sua notoriedade não pára.
Quando as manchetes dos jornais só falavam da guerra que destroçava o "velho mundo" e Portugal se preparava para entrar no conflito, nesse "Verão quente de 1916, sobe à cena, no Eden, uma revista bem recheada e significativamente chamada “O novo mundo”.
Porém, a suprema sensação, a interpretação que ia marcar uma época era “Ganga” por Estêvão Amarante.
A sua observação do carroceiro tinha ido tão longe, em tudo copiando com minúcia os modelos longamente estudados na rua, fazendo o público Amarante repetir “O Fado do Ganga” dezenas de vezes em cada noite.
Estava fixada a imagem e a popularidade alcançada era vitalícia.
Em 1925 de colaboração com Henrique Roldão, adaptação dum"vaudeville" francês (Tir au flanc) - a história do rapaz mimado que na tropa, aprende a ser homem. Fica em cena oito meses a fio e Amarante atinge um dos seus momentos máximos, quando canta um fado paradigmático:
"Soldado que vais para a guerra
ao deixares a tua terra
e o cantinho do teu lar
quantas mágoas te consomem
não choras porque és um homem
e é feio um homem chorar"
No Verão de 1927, a companhia resolve levar à cena uma revista, nascendo assim a histórica “Água-pé”. Com o grande triunfo pessoal de Amarante em nesta revista, fechava-se um período dos mais brilhantes que a carreira de qualquer actor português já conheceu.
Outra revista, na esteira de Água-pé, “Tremoço Saloio” (1929), teve pouco sucesso mas deu a Amarante um novo êxito, o Cauteleiro, cantado na música do Fado da Loucura, um tema popular.
Depois de passar rapidamente no filme Lisboa (Leitão de Barros, 1930), Vai a Paris filmar para a Paramount, a versão portuguesa de “A minha noite de núpcias” (1931), ao lado de Beatriz Costa.
Corta relações com Luísa Santanela com algum falatório, que lhe é adverso e por isso decide-se por um longo afastamento, que é quebrado com uma comédia, ao lado de Ilda Stichini (Uma para três, 1933). Depois, na revista Nobre Povo (1934), o seu trabalho fica muito abaixo do antigo prestígio. Falava-se abertamente, nas tertúlias teatrais da decadência de Amarante a sua separação de Luísa Satanela, deixa um gosto amargo no público.
No início da década de 40 Amarante firma-se, mais uma vez, como um grande nome da revista, voltando ao Avenida para colher novos triunfos. O Fado do Marialva (De fora dos eixos, 1943) demonstrava que, aos 54 anos, ele era ainda o único galã dos palcos revisteiros. Ao lado da jovem Laura Alves, na opereta O Zé do Telhado (1944), canta a sua última grande cantiga: "A sorte só favorece / quem / na vida uma boa estrela tem”.
Embora mantendo uma grande reputação, as duas revistas que faz, no Apolo, ao lado de Hermínia Silva, a sensação do momento (A canção nacional, 1944; O fado da Mouraria, 1945), apresentam já sintomas de que o crepúsculo se avizinha, com rábulas sem interesse (1948), marcam o final da sua actuação nos palcos revisteiros de Lisboa e decide dedicar-se primordialmente ao teatro dito declamado, ingressando inclusive na Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro instalada no Teatro Nacional D. Maria II.
Em 18 de Abril de 1950, comemoraram-se festivamente no S. Luiz, os 50 anos de Teatro de Estêvão Amarante
in: Revista à Portuguesa de Vitor Pavão dos Santos
Desenho de Amarelhe 1943 - Criação do Fado Marialva
FADO DO MARINHEIRO
Criação de: Estêvão Amarante
O marujo criou fama.
Desde um tal Vasco da Gama
Que no mar foi o primeiro;
E o Pedro Álvares Cabral
Só foi grande em Portugal
Por ter sido marinheiro.
A lutar como um soldado,
Peito ao léu, rosto queimado,
Ao sol da terra africana,
Com a farda em desalinho,
(Foi às ordens de Mouzinho
Que deu caça ao Gungunhana !
Quando o mar era um segredo,
Os antigos tinham medo
De perder-se ou ir a pique;
Só zombavam das porcelas
As primeiras caravelas
Do Infante Dom Henrique!
Fartos já de andar nos mares,
Também vamos pelos ares
Sem temor, abrir caminho;
Pois bem sabe toda a gente
Que o marujo mais valente
É o avô Gago Coutinho!
Nessa Alcântara afamada,
O marujo anda à pancada
E arma sempre espalhafato;
É que guarda na memória
O banzé que houve na história
Do António Prior do Crato.
Quando vai p'rá Fonte Santa
E dá largas à garganta,
P'la guitarra acompanhado.
Até chora o mundo inteiro,
Porque a voz do marinheiro
É a voz do próprio Fado!...
Caravela Portuguesa dos Descobrimentos
FADO DAS CARAVELAS
Criação de Estêvão Amarante
Quando foi das descobertas e conquistas,
Os fadistas,
Guitarristas
De mais fama,
Lá no fundo do porão,
Deram alma e coração
Às descobertas do Gama.
No alto mar
Ia o barco a naufragar,
O vento rijo a soprar,
Que até os mastros levou.
Foi ao sentir,
Uma guitarra a carpir,
Que o Neptuno querendo ouvir,
A tempestade abrandou.
E nas horas d'incerteza, à marinhagem
Deu coragem
Na miragem
Da vitória.
Cabe ao fado o seu quinhão,
De todo e qualquer padrão,
Dos que fala a nossa História.
No alto mar
Quando em noites de luar,
O pensamento a pairar,
Na nossa aldeia natal.
Ai, era ver,
Quanta lágrima a correr,
Na guitarra a descrever,
Saudades de Portugal.