Vasco António Rodrigues Santana (1898-1958) O público elege os seus artistas, e, se de uns se cansa ao fim de alguns anos, a outros nunca mais os larga, estabelecendo com eles uma mágica cumplicidade. E por isso que há cómicos que basta aparecerem em cena para, mesmo sem abrirem a boca, o público desatar logo a rir. Mas com Vasco Santana o caso ia mais longe. Era só ouvi-lo falar nos bastidores e a sala vinha abaixo à gargalhada.
Essencialmente um actor de comédia, Vasco Santana chegou ao teatro através da revista, e, à primeira vista, por acidente. Nascido numa família ligada ao teatro, sobrinho do empresário e autor Luís Galhardo, filho do conhecido encenador Henrique Santana (1876-1935), cursava as Belas-Artes, aos 19 anos, e era frequentador assíduo das caixas dos teatros. Sabia de cor o papel do ' 'compère" que Artur Rodrigues fazia na revista O beijo (1917). E, por isso, quando aquele actor adoeceu e Vasco passou pelo Avenida, numa tarde de domingo, de tipóia, pronto a bater para os toiros, a ver o Belmonte, pegaram nele, pintaram-no, vestiram-lhe a farpela do ' 'compère", meteram-no numa mala, fizeram-no subir num alçapão, e eis no palco, fazendo a sua improvisada estreia, um dos cómicos que o público mais iria amar.
Como o "compère" não melhorou, Vasco Santana ficou até ao fim da revista, a que logo outra se seguiu. Passou pela companhia Satanela-Amarante, onde criou o Nem de Míss Diabo (1918), e manteve-se muitos anos na companhia de operetas de Armando de Vasconcelos, destacando-se no repertório vienense, com breves escapadelas à revista.
A comédia O meu menino (1930) traz-lhe um daqueles sucessos que consagram definitivamente um artista. É durante as representações desta peça que morre uma das intérpretes, a actriz-cantora Aldina de Sousa, a quem Vasco Santana estava há anos ligado, o que provoca grande mágoa entre artistas e público.
Tirando partido da sua figura avantajada, inexcedível no improviso, no aparte, Vasco encabeça companhias de comédia, somando êxitos populares, como Desculpa, ó Caetano (1932), conquistando um público que acorre apenas o seu nome é anunciado e, até ao fim, se lhe mantém fiel. Quando aparece na revista, especialmente ao lado de Beatriz Costa (Santo António, 1934; Arre, burro, 1936), as suas rábulas são de efeito seguro.
Enquanto dura o seu casamento com Mirita Casimiro (1940-1946), representa quase sempre ao seu lado, em operetas (Ribatejo, 1939; Coíete encarnado, 1940; A invasão, 1945) e revistas (A grande paródia, 1941; Aleluia, 1942; Cantiga da rua, 1943; Baile de máscaras, 1944), formando com ela um par contrastante estilo Bucha e Estica, cheio de comicidade, que o público acarinha sem reservas. Vasco é autor de quase todos esses êxitos, assim como do argumento de filmes muito
populares.
É deste período Alto lá com o charuto (1945) — a revista que mais tempo esteve no cartaz, na década de 40 — onde Vasco teve excelentes rábulas de recorte político {o Fogueteiro e o Nero, deitando fogo a Lisboa, como já se fizera, em 1907, no O da guarda) e um travesti de sensação, em duo com Mirita: Manas Remendonças, paródia às cantoras da rádio — tipo irmãs Meireles — que então abundavam. Outro seu travesti famoso foi a cozinheira, ao lado de António Silva, o cómico que com ele melhor contracenou, fazendo então a criada de fora, nesse dueto da revista Se aquilo que a gente sente... (1947).
Além do cinema e do teatro, também a rádio foi um óptimo veículo para Vasco Santana. Os diálogos Zequinha e Lelé, cenas da vida de um casal lisboeta, que a Emissora Nacional transmitiu aos domingos durante muitos meses (1947-1948), foram imensamente populares e neles Vasco lançava ditos que toda a gente repetia, desde o bem disposto "tá bem ou não tá?", com que interrogava a Lelé (Irene Velez), ao enfadado "aquela santa", com que se referia à sogra (Maria Matos).
Nas pausas da comédia, onde agrada sempre ao público, mesmo que se repita em espectáculos de pouco nível, Vasco Santana consegue boas actuações na revista, contracenando com as estrelas do momento: Hermínia Silva (Ora agora viras tu, 1949, com rábulas de grande oportunidade política), Irene Isídro, sua companheira de muitas comédias (E de gritos, 1950), Laura Alves, (Mulheres há muitas, 1954) e a talentosa brasileira Bibi Ferreira, na sua última revista Há horas felizes (1957, com o notável Pintor do Torel uma boa imitação de Churchill).
Actor que o público ainda recorda de forma muito viva, Vasco Santana ficou no teatro português como um caso raro de popularidade e comunicação imediata.
In: Revista à Portuguesa de Vítor Pavão dos Santos
"Ó EVARISTO, TENS CÁ DISTO?..."
Este trocadilho dizia-o ele no filme "O Pátio das Cantigas", e ficou célebre!
Tudo o que dizia tinha graça. Bastava-lhe entrar em cena para o público começar a rir; abria a boca, as graças saíam em catadupa e as gargalhadas na sala soavam contínuas e estridentes. Era assim o Vasco Santana! a graça personificada.
A arte de transmitir a boa disposição e a alegria de viver!..
Seu pai queria que ele cursasse Belas-Artes, mas, para ele, a arte mais bela era o Teatro...
Seu tio, Luís Galhardo, era na juventude do Vasco empresario do teatro Avenida, e Vasco Santana, fugindo às aulas de Belas-Artes, passava a maior parte do seu tempo nos bastidores do teatro. Sabia de cor todos os papéis da revista que nessa altura lá estava em cena com grande êxito: "O Beijo"...
Era assim Vasco Santana.
Foi num domingo de Outubro de 1917, a matinée estava esgotada, mas o Vasco não apareceu no teatro, preparava-se para ir ver uma corrida ao Campo Pequeno, já com um bilhete de barreira na algibeira...
Porém, o destino marca a hora e, na hora em que o Vasquinho (como o tratava a família),embarcava num trem que o conduziria à praça de touros, aparece-lhe o seu tio Luís Galhardo , muito aflito a dizer-lhe que o compère da revista tinha adoecido e era preciso que o Vasco o substituísse...
"Não posso tio; vou ver o Belmonte tourear...", mas teimar com o seu tio era escusado e, contrariado lá foi para o teatro. Lá dentro meteram-no numa mala que,na devida altura, era empurrada para cena. E foi assim que o nosso Vasco Santana entrou no palco....fez o papel que (claro) sabia de cor, fez o melhor que pôde e o publico riu que se fartou. Tinha nascido o actor que durante quarenta anos fez rir o País.
Tornou-se o menino querido do Teatro, e em todos os géneros brilhou; Na Revista à Portuguesa, na Comédia, na Opereta e claro , no Cinema!!! Foi grande em tudo!
A propósito da sua estreia, costumava dizer: "Ia ver o Belmonte tourear e fui eu que, sem querer,fui colhido..." Era assim o Vasco Santana...
Uma vez , quando saía do teatro após a sessão, um homem de aspecto provinciano dirigiu-se-lhe e disse: " Fui ver a revista e o senhor fez-me rir como ainda ninguém tinha feito; tome lá cinco mil reis de gorjeta porque bem merece.....", Vasco Santana aceitou, comovido com a simplicidade e a boa intenção do homem, e arrecadou a moeda.... costumava dizer que essa moeda simbolizava a sua consagração, e guardou-a durante toda a sua vida.
Para a Revista à Portuguesa que progressivamente tem vindo a perder valores, a perda do Vasco Santana na altura, foi irreparável, ele era único e insubstituível.
Manuel Gírio
Carlos Escobar
CANTIGA PARA O VASCO SANTANA
Poema de Carlos Escobar
Ele foi Vasco Vasquinho
Ele foi o que quis ser
Foi policia, foi ladrão
Foi doutor, foi aldrabão
Vejam lá que foi mulher !!!
Ria tudo à gargalhada
Quando chegava o Santana
Ele era cada piela
Aos tombos pela viela
Que às vezes ia de cana
Foi talvez o mais Vascão
Foi desde a rádio à revista
Era gordo, nós sabemos
E que saudades nós temos
Desse gordo, desse artista
Fico triste quando penso
Porque não temos já disto
Tanta arte, na verdade
De perguntar dá vontade
"tens cá disto, ó Evaristo ???"
Inda agora, quem diria
Quando dá filme do vasco
Na família há alegria
Há gargalhada no tasco
Vasco Santana e Mirita Casimiro, a dupla mais cómica e que mais agradou ao povo do seu tempo (Foto 1936)