Desde há muitos, muitos anos os fadistas faziam palestras, tendo por motivo de inspiração, a nossa querida Lisboa,
Eram homens de carácter, com um só desejo, amar Lisboa, sem problemas de competitividade entre si, era como se todos fossem um só... Lisboa uma só...com os seus amantes unidos num só objectivo...amá-la e adulá-la escrevendo sobre ela.
Cada vez se recolhe mais provas, que Lisboa é bem a cidade mais cantada do mundo, já está para breve o que eu e muitos dos amantes de Lisboa, do Fado e da poesia em geral, ansiamos, colocar Lisboa no GuinessBook de Records.
Um "Fala-só" de Lisboa:
Uma palestra da série "Lisboa, tão linda és..." falando desse grande poeta que é Carlos Conde
por: Francisco Radamanto
Carlos Conde
De entre os milhentos amantes que Lisboa tem, os mais enamorados e fieis, os que a adoram com paixão quase física e quase sensual são aqueles "Fala-só"que a gente vislumbra, em jeito de prece, debruçados em mirantes e miradouros, a contemplá-la em êxtase, na hora bruxa do arrebol vespertino.
Ao longe, o sol declina, lentamente, deixando após si um rastro de oiro e vermelho, de anil e púrpura, que vai encher de revérberos de cor e de luz as mil janelas dos sete presépios que são as sete colinas... Desfolham-se as sardinheiras nas trapeiras e as rosas-de-toucar fecham-se, pudicamente, por varandas e sacadas.
Esta é a hora dos "Fala-Sós'”... Lá estão eles no Monte e em Santa Luzia, em S. Pedro de Alcântara e no Alto de Santa Catarina... Olhos fixos, magníficos e famintos, lábios que se sentem mexer numa irreprimível confissão de amor,ensimesmados e indiferentes a tudo que não seja o deslumbramento de alma que a presença, viva e infimamente sentida, da sua amada Lisboa, lhes faz viver, num frémito de emoção e de puro prazer.
Todos os "Fa!a-sós" são poetas - mesmo os que não sabem fazer versos, mesmo aqueles cujos poemas vivem e vibram de dentro para dentro. Estes usam as vozes do silêncio, recolhidas e crentes, mas não menos apaixonadas do que as dos outros, - dos que cantam, dos que exprimem de dentro para fora. Uma das mais puras vozes cantantes dos "Fata-sós" da cidade ê o de Carlos Conde, - poeta pela graça de Deus, trovador por amor da Lisboa que vive, em sortilégio da graça, nas suas rimas ricas de sabor e verdade.
O poeta percorre as ruas da cidade ribeirinha, sobe escadinhas, entra nos pátios, calcorreia as calçadas, enternece-se com os arcos e alpendres, deslumbra-se nos mirantes e miradouros...
Ali vai um cego a tocar guitarra; uma costureirinha romântica assoma à janela a trautear uma trova; uma varina atira ao ar a nota cantada dum pregão vibrante; um marujo passa, bamboleante e pimpão; uma rapariga, de lenço e avental, leva nos olhos a marca de um amor de perdição; um ardina saltitante e irreverente grita "à última hora"!...
Todo este mundo pitoresco e estranho, que é luz e noite, que é riso e lágrimas, que é manjerico e cardo, pertence ao poeta.
Todo ele pulsa, vibra e vive nos versos de Carlos Conde.
Sobe o cantor a Santa Luzia, para nos dizer:
“Alfama faz-me lembrar
Na pureza muito sua,
Uma velhinha a fiar
Sentada à porta da rua!!...”
“E logo define o bairro como:
"Canção em que o povo crê.
Cantiga que o povo reza,,,
- És um sonho de princesa
Alfama da velha Sé!..."
Do lactário sai uma rapariga que leva, aconchegado no xaile, quase escondido, o seu menino, aquele menino que o amor lhe pôs nos braços... E, Carlos Conde, comenta;
"Meu Deus! Meu Deus: - Vê lá bem
Que, por caminhos sem luz.
Anda um menino Jesus
Ao colo de cada mãe!..."
Tomando como sua a cruz de outra, a que passou chorosa, desiludida e descrente, o poeta afirma:
"Meus olhos que por alguém
Deram lágrimas sem fim,
Não choram por mais ninguém,
Basta que chorem por mim!..."
Passa à Mouraria para nos dizer:
"Venham ver a Mouraria
Pelas frestas do passado!..
Aqui na Rua dos Canos,
Dançam faias e rameiras,
Entre dois velhos pianos
Dum café de camareiras!..."
Foi à Graça e contou-nos a história do namorico da Maria, a ta! costureirinha romântica e cantadeira:
"Na Graça, quando ela passa.
Toda a gente lhe quer bem:
- Não há graça com mais graça
Do que a graça que ela tem!...
Causa gosto ver aquele
Varandim com muitas flores,
A esquina de Sapadores
Muito perto do quartel
Cá em baixo, um furriel
Com quem a Maria engraça
Diz-lhe um dito, uma chalaça,
Fia afira-lhe uma flor…”
É assim mesmo, não é?...
O poeta chega, agora, ao Castelo e diz-nos:
"Estamos no velho Castelo
Desta Lisboa garrida.
Que é o caixilho mais belo
De uma aguarela com vida!...”
Desce à Baixa e, lisboeta retinto, exclama:
Ali vai a Tradição
Almoçar ao "Garrafinhas",
Depois de estar nas "ginginhas"
Do Rossio e Santo Antão!..."
Vai-se ao "Cabeça de Touro",
Ao "Friagem" e ao "Claudino"
E nunca se perde o fino...
Esta Baixa é um tesouro!..."
Desde o exterior castiço e pitoresco ao interior, - quantas vezes de revolta e drama -, todos os tipos populares, a própria voz do povo dos bairros típicos de Lisboa que cheira a alfazema e a cravo-de-papel, estão despidos e ficam bem assim na verdade da nudez dos versos de Carlos Conde. São como são. E Lisboa é como é.
Aí, Lisboa!... Que Carlos Conde, um dos teus apaixonados "Fala-sós", te continue a
sentir para dentro e a cantar para foral... Lisboa, tão finda és!...
Francisco Radamanto
Nota: As fotos utilizadas são retiradas da internet , agradeço aos seus autores as terem publicado, para que possam ser usadas, sem fins lucrativos, como é o meu caso, se alguém se considerar lesado, agradeço me informe, e a foto será de imediato retirada.
Descrição as Fotos a partir do topo do post:
1ª foto - Lisboa vista do céu
2ª foto - O poeta Carlos Conde
3ª foto - lado esquerdo Miradouro Senhora do Monte
4ª foto - lado direito Alto de Santa Catarina
5ª foto - lado esquerdo Miradouro de Santa Luzia
6ª foto - lado direito Sé de Lisboa
7ª foto - lado esquerdo Menino ao colo
8ª foto - lado direito Lisboa vista do Castelo
9ª foto - lado direito Miradouro da Graça
10ª foto - lado direito Castelo de S. Jorge (vistas de parte da cidade)
— Mais do que um fadista, Alfredo Marceneiro é a carne e o sangue, o coração e a alma do Fado. O próprio Fado. Aquela voz estranha, semi-rouca, cava, — que não é dado a todos, sentir nem compreender... — dá-nos todas as gamas de sensações imagináveis, traduz todos os estados de alma. Acaricia e arranha. Dulcifica e amarga. Fere e cura. Às vezes parece suave como ondas filigranadas aflorando na areia. Outras, áspera com vagalhões insubmissos corroendo graníticos rochedos. Tão depressa parece murmura blandícias como, logo, dolorida e corrosiva, nos aniquila na expressão viva, funda e profunda dos desesperos humanos. É tempestade a rugir e brisa a refrescar. Epopeia de vencido e amargura de triunfador. Por isso, o Alfredo — é grande...