Nos anos oitenta, andava eu na minha actividade de cineasta, não tinha o protagonismo, que hoje me atribuem, no meio do Fado, nem tinha escrito livros nem blogues, só cantava para os amigos. Chamavam-me Vítor Duarte, o Marceneiro, por ser neto de quem era, mas nunca ninguém se referiu a mim como "Vítor Marceneiro", e o Zeca na dedicatória que me fez na capa do LP, foi decerto e por sua alta recreação, o primeiro a fazê-lo. Só adoptei o nome de Vítor Duarte Marceneiro, quando me inscrevi na SPA, e a minha intenção era e é, realçar que o que sei de Fado aos meus progenitores o devo.
Em meados de 1980, a etiqueta Órfeu – Arnaldo Trindade, dava-me a produção e realização, do que na altura se chamava de "telediscos", que eram filmados em película de 16mm, e o som não era síncrono, por falta de meios, sobre os temas que eram editados em disco, que depois a RTP, passava em programas musicais
Nessa altura fui incumbido de fazer um "teledisco", do último LP de Zeca Afonso – Fados de Coimbra.
Eu nunca tinha estado com José Afonso, mas conhecia toda a sua obra, e a sua posição de cidadania perante o regime.
Em finais 1973 a Órfeu-Arnaldo Trindade, tinha toda a produção em single de José Afonso, proibida de ser comercializada, (foi o rescaldo da promessa de abertura do regime, pois a censura só era feita após a saída das edições, quer fossem livros ou discos), sendo nessa altura, José Niza, director de produção musical, e o responsável comercial era o Mota Alves, que era em Lisboa o representante da Orfeu do Porto, e distribuía os discos proibidos do Zeca, a pessoas de confiança, para serem vendidos às escondidas, ao preço de custo (50$00 na época). O meu carro era um NSU-PRINZ, que tinha a mala à frente, e estava sempre a abarrotar de discos, que ia vendendo, e bem, a conhecidos e amigos, sendo que para muitos, era o primeiro contacto com a obra do Zeca.
Certo dia de madrugada, vinha de Cascais de uma fadistisse, e fui mandado parar num auto-stop, não me recordando já, se por agente da GNR ou ainda da PVT, que depois de ver os documentos, quis que lhe mostrasse o pneu de reserva. Lembro-me que todo eu fiquei "gelado", tendo aberto a mala do carro, e ouvido uma exclamação... mas afinal o que é isto? E começou a mexer nos discos, a ver um a um, com muita atenção, chamou o outro camarada que estava com ele, para ver aquilo, e pediram-me uma explicação, lembro-me de ter apresentado um argumento "esfarrapado"....sou colaborador eventual desta discográfica e isto são discos de pessoas que são pouco conhecidas, e não se conseguem vender, assim, em vez de queimar ou deitar fora, dão-nos para podermos oferecer a quem quisermos.... Soltaram ambos uma gargalhada estrondosa... e, disseram algo, tipo, bem, sendo assim se não se importa, vamos ficar com alguns para nós, lembrando-me, que com um certo ar sarcástico, um deles ter dito, é desconhecido, não se vendem, mas nós aproveitamos.
Mandaram-me seguir viagem, nem sequer chegaram a ver o pneu de reserva, e em modo de aviso, aconselharam-me a ter cuidado, pois nem todos são desconhecedores de música “desta” como nós…
Voltando á produção do "teledisco", ficou combinado que as filmagens seriam efectuadas em Azeitão, numa quinta com um palacete, que tinha um jardim muito bonito e que considerámos adequado para o efeito.
Pensava eu que iria ouvir e poder fazer muitas perguntas ao Zeca Afonso, mas tal não aconteceu, pois o Zeca ao saber quem era o meu avô, levou todo o tempo dos intervalos das filmagens a querer saber por mim, tudo sobre Marceneiro, creio ter sido convincente, pois no final, autografou-me o LP na contracapa (imagem acima), com o seguinte texto:
Ao amigo latiníssimo. Temperamental da velha raça do Gama Vítor Marceneiro – do autêntico até ao próximo encontro com o José Afonso.
Não o voltei a encontrar em vida, mas acredito que algures num tempo (indefinido/definido) nos voltaremos a encontrar.
Até lá, Zeca.
©Vitor Duarte Marceneiro
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, filho de um juiz e de uma professora primária, nasceu, em Aveiro, em 2 de Agosto de 1929, tendo passado os primeiros anos de vida entre a terra natal, Angola e Moçambique.
"Bicho-cantor" foi a alcunha que lhe deram no liceu, por cantar serenatas durante as praxes. Nesta altura conhece a vida boémia e os fados tradicionais de Coimbra.
Entre 1946 e 1948, enquanto terminou o liceu, conheceu a costureira Maria Amália de Oliveira, com quem casou às escondidas, devido à oposição dos pais.
Quando, em 1949, ingressou no curso de Ciências Histórico Filosóficas, da Faculdade de Letras, revisitou Angola e Moçambique, integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra.
Em 1953, nasceu o primeiro filho, José Manuel, e, enquanto dava explicações e fazia revisões no "Diário de Coimbra", viu os primeiros discos serem editados.
O Emissor Regional de Coimbra, da Emissora Nacional, foi o local escolhido para a gravação dos dois discos, de 78 rotações, com faixas de fados de Coimbra.
"Fados de Coimbra" é o título do primeiro EP, editado em 1956. Nos finais dos anos 50, princípios de 60, começou a frequentar colectividades e a cantar, com regularidade, em festas populares.
Em 1963, concluiu o curso, com uma tese sobre Jean-Paul Sartre e a nota de 11 valores.
A senha para o início da Revolução de Abril, "Grândola Vila Morena", nasceu após Zeca Afonso se ter inspirado numa actuação na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, em Maio de 1964.
O único disco editado pela Valentim de Carvalho, "Cantares de José Afonso", é desse ano, altura em que regressou a Moçambique, onde viveu e leccionou durante três anos.
O regresso a Portugal deveu-se à oposição José Afonso ao sistema colonial . O destino, desta vez, foi Setúbal, onde foi colocado como professor, tendo sofrido uma grave crise de saúde que o forçou ao internamento hospitalar durante vinte dias. Quando recuperou, ficou a saber que tinha sido expulso do ensino oficial, passando a viver de explicações que dava.
O PCP chegou a convidá-lo, por esta altura, a entrar para o partido, mas José Afonso recusou alegando a sua condição de classe.
O álbum "Contos Velhos Rumos Novos" e o single "Menina dos Olhos Tristes", que contem a canção popular "Canta Camarada" , são editados em 1969.
Seguem-se "Traz Outro Amigo Também", em 1970, gravado em Londres, "Cantigas do Maio", em 1971, gravado em Paris, e, no ano seguinte, "Eu Vou Ser Como a Toupeira", editado em Madrid.
Em Abril de 1973, foi preso, passando vinte dias em Caxias, e no Natal desse ano gravou, em Paris, "Venham Mais Cinco", com a colaboração musical de José Mário Branco, então exilado na capital francesa.
Muitas outras canções, espectáculos e prémios surgiram nos anos posteriores à revolução e, em 1982, os primeiros sintomas da doença que lhe causou a morte, uma esclerose lateral amiotrófica, começaram a manifestar-se.
No último álbum, "Galinhas do Mato", editado em 1985, Zeca Afonso já não conseguiu cantar todos os temas, sendo substituído por muitos cantores portugueses, como Luís Represas e Janita Salomé.
Dois anos mais tarde, em 1987, no dia 23 de Fevereiro, às 3:00 h, José Afonso morreu, no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal.
in: http://delta02.blog.simplesnet.pt/
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, filho de um juiz e de uma professora primária, nasceu, em Aveiro, em 2 de Agosto de 1929, tendo passado os primeiros anos de vida entre a terra natal, Angola e Moçambique.
"Bicho-cantor" foi a alcunha que lhe deram no liceu, por cantar serenatas durante as praxes. Nesta altura conhece a vida boémia e os fados tradicionais de Coimbra.
Entre 1946 e 1948, enquanto terminou o liceu, conheceu a costureira Maria Amália de Oliveira, com quem casou às escondidas, devido à oposição dos pais.
Quando, em 1949, ingressou no curso de Ciências Histórico Filosóficas, da Faculdade de Letras, revisitou Angola e Moçambique, integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra.
Em 1953, nasceu o primeiro filho, José Manuel, e, enquanto dava explicações e fazia revisões no "Diário de Coimbra", viu os primeiros discos serem editados.
O Emissor Regional de Coimbra, da Emissora Nacional, foi o local escolhido para a gravação dos dois discos, de 78 rotações, com faixas de fados de Coimbra.
"Fados de Coimbra" é o título do primeiro EP, editado em 1956. Nos finais dos anos 50, princípios de 60, começou a frequentar colectividades e a cantar, com regularidade, em festas populares.
Em 1963, concluiu o curso, com uma tese sobre Jean-Paul Sartre e a nota de 11 valores.
A senha para o início da Revolução de Abril, "Grândola Vila Morena", nasceu após Zeca Afonso se ter inspirado numa actuação na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, em Maio de 1964.
O único disco editado pela Valentim de Carvalho, "Cantares de José Afonso", é desse ano, altura em que regressou a Moçambique, onde viveu e leccionou durante três anos.
O regresso a Portugal deveu-se à oposição José Afonso ao sistema colonial . O destino, desta vez, foi Setúbal, onde foi colocado como professor, tendo sofrido uma grave crise de saúde que o forçou ao internamento hospitalar durante vinte dias. Quando recuperou, ficou a saber que tinha sido expulso do ensino oficial, passando a viver de explicações que dava.
O PCP chegou a convidá-lo, por esta altura, a entrar para o partido, mas José Afonso recusou alegando a sua condição de classe.
O álbum "Contos Velhos Rumos Novos" e o single "Menina dos Olhos Tristes", que contem a canção popular "Canta Camarada" , são editados em 1969.
Seguem-se "Traz Outro Amigo Também", em 1970, gravado em Londres, "Cantigas do Maio", em 1971, gravado em Paris, e, no ano seguinte, "Eu Vou Ser Como a Toupeira", editado em Madrid.
Em Abril de 1973, foi preso, passando vinte dias em Caxias, e no Natal desse ano gravou, em Paris, "Venham Mais Cinco", com a colaboração musical de José Mário Branco, então exilado na capital francesa.
Muitas outras canções, espectáculos e prémios surgiram nos anos posteriores à revolução e, em 1982, os primeiros sintomas da doença que lhe causou a morte, uma esclerose lateral amiotrófica, começaram a manifestar-se.
No último álbum, "Galinhas do Mato", editado em 1985, Zeca Afonso já não conseguiu cantar todos os temas, sendo substituído por muitos cantores portugueses, como Luís Represas e Janita Salomé.
Dois anos mais tarde, em 1987, no dia 23 de Fevereiro, às 3:00 h, José Afonso morreu, no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal.
in: http://delta02.blog.simplesnet.pt/